* Roberto Wagner

Uma das questões centrais da filosofia diz respeito aos limites da liberdade. Entenda-se por liberdade, aqui, a prerrogativa de agir e falar sem amarras, condicionamentos, isto é, à    margem de qualquer obstáculo. Liberdade, enfim, em sua acepção absoluta.
Não gosto, por princípio, de raciocinar sob o balizamento de valores ou critérios religiosos. Acho, francamente, que isso limita, dogmaticamente, quando não embota, o raciocínio. Mas, fazendo uma concessão, seria o caso de dizer que nem no (suposto) Jardim de Éden, onde só existiam Adão e Eva, a liberdade era plena. Como reza a Bíblia, os dois, por expressa ordem de Deus, podiam tudo, menos comer a maçã. Deu no que deu.
A nossa liberdade termina, concordam todos, à exceção dos ultra-anarquistas de plantão, onde termina o território ético-legal em cujo solo  podemos agir e nos expressarmos sem qualquer preocupação, seja com os direitos do próximo, seja com o pudor, seja com a decência.
Só podemos ser inteiramente livres, portanto, em uma ilha completamente isolada, onde, dela, sejamos o único habitante. Nela, e somente nela, poderíamos berrar a plenos pulmões o que bem quiséssemos, andarmos nus, fazer nossas necessidades fisiológicas em qualquer lugar e de qualquer jeito, e assim por diante. Nada, nessa imaginária ilha isolada, limitaria nosso agir e falar.
Mas, como mostra o filme “Náufrago” (inspirado, por sinal, em uma história real), protagonizado pelo ator Tom Hanks, até mesmo num ambiente remoto desse, o ser humano sente irrefreável necessidade de guardar certos valores, certas condutas, certos recatos.
Essas considerações vêm a propósito do surpreendente esclarecimento dado por um dos advogados da ex-prefeita de Bom Jardim, Lidiane Leite, segundo o qual a sua cliente, ao tempo em que a Polícia Federal a procurava dia e noite por todo o País, encontrava-se, vejam só, no próprio município de Bom Jardim, exercendo, junto aos munícipes da zona rural, de modo absolutamente normal, o mandato para o qual fora eleita.
Sou advogado há quase quarenta anos. Vi  e ouvi muita coisa escabrosa ao longo desse tempo. Incontáveis foram as vezes em que presenciei colegas espancando a verdade para defender seus clientes. Confesso, porém, que ainda não tinha visto ou ouvido nada manifestamente mais absurdo do que o que foi declarado por esse advogado da citada ex-prefeita. Não pude deixar de me perguntar: tem ou não tem limites, afinal, a liberdade que o advogado dispõe para defender aqueles que contratam seus serviços?
Adianto, de logo, que não estou nem um pouco preocupado se esse advogado, ao ter dito o que assombrosamente disse, teria violado algum preceito ético e se, por conta disso, mereceria alguma sanção disciplinar. Esse detalhe é de pouca ou nenhuma importância, até pelo fato de não estar claro, pela larga relativização que se passou a atribuir ao sentido e significação das palavras e frases ditas, se tal afirmação configura alguma afronta de natureza ética.
Preocupa-me o eco de suas palavras, o que delas terão pensado as centenas, quiçá milhares, de jovens advogados maranhenses, principalmente daqui de Imperatriz, que, pela televisão, as ouviram.
Acredito piamente, e tenho feito disso um princípio de vida profissional, que o advogado deve ser, acima de tudo, um patrono da seriedade, um paladino da razão, um arauto do bom-senso. Há limites, sim, à liberdade que temos para defender nossos clientes. Voltando à passagem bíblica de Adão e Eva, à maçã que eles estavam proibidos de comer, corresponde, no nosso caso, a verdade que estamos terminantemente proibidos de escamotear. Que os advogados, sobretudo os jovens advogados, façam de conta que não ouviram a explicação oferecida por esse colega, ou façam de conta que ele estava somente brincando.
Os artigos que escrevo dirigem-se, evidentemente, a todos os leitores e leitoras de “O Progresso”. Este, todavia, pelo seu conteúdo específico, direciona-se mais acentuadamente aos advogados de Imperatriz. Trago à reflexão deles, notadamente daqueles que se acham iniciando em tão nobre e encantadora profissão, esse humilde conselho: entre a verdade e qualquer outra coisa, em especial coisas gritantemente inverossímeis, prefiram sempre a verdade. Se não se revelar de grande utilidade, ao menos fará com que os juízes os enxerguem como advogados sérios e bem-intencionados. Acreditem: o que os juízes mais detestam é que tentem zombar da inteligência e da capacidade de discernimento deles. Até a  próxima.
    
Advogado*