*Roberto Wagner
Lá pelo capítulo XXII de Helena, que considero obra monumental, há essa preciosa passagem: “(...) Em todo o caso, não antecipemos a aflição. Seria padecer duas vezes.”
Inicio com Machado de Assis, cujo citado romance acabo de reler, esse, como de hábito, singelo e despretensioso artigo. É que tenho percebido que esse angustiante e dilacerante desconforto íntimo a que se dá o nome de aflição vem ganhando espaço cada vez maior em nossas vidas, pelo menos em minha vida e na vida daqueles com os quais me relaciono.
Eu, por exemplo, ante a dolorosa recente perda de tantos amigos, fui tomado por uma inesperada e inquietante aflição pela suposta proximidade de meu próprio fim, como se a morte, que até outro dia encarava com serena tranquilidade, tivesse deixado de ser uma coisa certa, inevitável, inescapável, ainda que, é claro, indesejada. Talvez justamente pela partida desses amigos terminei permitindo que a incontornável finitude de minha vida passasse a fazer parte de minhas preocupações.
O exasperante fenômeno, pelo que observo, atinge, indistintamente, a todos. Não quero com isso dizer que as aflições que vejo nos outros também se devam pela repentina percepção de que ninguém escapa da morte que, mais cedo ou mais tarde, baterá, inclemente, à porta de todos. Em mim, especificamente, a súbita aflição que despontou, confesso, é pela imaginária iminência da morte.
Tenho dito a mim, como tentativa de afugentar essa preocupante expectativa, que preciso reagir, que devo cuidar de limitar o fardo de problemas que carrego nas costas às adversidades do dia a dia, sem procurar me afligir com a constatação – óbvia, por sinal – de que sou incapaz, em algumas situações, de sequer diminuir o peso das adversidades. De que existem coisas contra as quais nada ou quase nada posso fazer. De que, enfim, a desconfiança de que o fim esteja próximo não deve ser razão para tristeza e desespero, mas para que aproveite, da melhor forma possível, cada minuto que me resta. Tem sido bom, para mim, nesses dias aziagos, lembrar Mário Quintana: “Não é de uma vez que se morre... Todas as horas são horas extremas.”
Decidi que daqui para frente, com ou sem a eventual ajuda do copo, vou saborear, com redobrado prazer, o tempo, longo ou curto, que ainda terei. Quando a morte chegar, venha quando vier, vai me encontrar pronto para a viagem e agradecido a Deus pela vida que me foi dada.
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Ciente de que o término de sua jornada talvez estivesse próximo, Conor Farias, falecido no dia 26 de março último, tratou de valorizar cada instante que ainda teria pela frente. Para usar uma das mais belas construções que há na Bíblia, combateu o bom combate. Invariavelmente polêmico, costumeiramente crítico, eventualmente movediço, rotineiramente destemido, habitualmente perspicaz, ocasionalmente corrosivo, acidentalmente injusto, raramente desleal, era, acima de tudo, um jornalista na acepção máxima da palavra, daquele tipo para o qual a liberdade de expressão precisava ser exercitada, para realmente ser considerada liberdade, até as últimas consequências, doesse a quem doesse. Exatamente por isso, não raro foi incompreendido e atacado.
Com o devido e necessário ajuste de dimensão, enxergava nele as virtudes e os defeitos que tinha Carlos Lacerda, para citar, a título de comparação, um dos maiores nomes da história da imprensa brasileira, cujo perfil era mais ou menos parecido com o de Conor. Portanto, falem dele o que quiserem, mas, nesse deserto de sinceridade e opiniões próprias em que vivemos, sua falta será sentida por muito tempo. Talvez, como Lacerda, não se transforme, com o passar dos anos, em referência no fazer jornalístico, mas certamente, tal como Lacerda, não será esquecido, que é, afinal, o que realmente interessa.
Advogado*
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