Por Jessé G. Cutrim*

O “Sete de Setembro” enquadra-se num rito histórico de passagem, entre o período colonial e o período da liberdade e da autodeterminação, alem é claro da recriação de um momento glorioso do passado. O lema sempre foi “festejar é preciso”. A História oficial se encarregou de narrar que a independência brasileira aconteceu com alguns cavalos brancos e vistosos, espadas reluzentes e frases famosas, pronunciadas em momentos de muita bravura e heroísmo. Mas, a propósito, por que será que mesmo estando próximo de completar dois séculos, desde que o brado de D. Pedro I ecoou aos quatro cantos e, a partir daí manuais escolares (via quadros oficiais, entre eles o mais famoso - o grito do Ipiranga de Pedro Américo finalizado em 1888), trataram de divulgar o feito e os desfiles anuais de o comemorarem, a data não se encontra incorporada à cultura (exceto pelo fato de ser feriado e ter desfile) do brasileiro (a)? E por que será que D. Pedro, mesmo sendo imortalizado como herói em monumentos, quadros oficiais, emprestando seu nome a ruas, avenidas e escolas, não encarna a verdadeira identidade de um herói? Só os fatos históricos sob uma (re) visão à luz de uma critica pertinente pode responder. A nossa singular independência, diga–se de passagem, apenas política, pois, deu-se desatrelada da economia (manteve a escravidão e a dominação do senhoriato) e, portanto, sem maiores mudanças – como deve ser uma INDEPENDÊNCIA e, como se forjaram muitas delas, com o povo sendo artífice das mudanças. Na nossa o povo ficou distante e, economicamente a independência brasileira foi subordinada aos interesses britânicos. A independência política foi vislumbrada como a única saída encontrada pela elite agrária brasileira, que temendo a perda de seus privilégios e a liberdade comercial vigentes desde 1808, devido à política de intensificação da exploração colonial por parte do governo português, especialmente depois de 1820, com a Revolução Constitucional do Porto. E, em havendo uma guerra pela libertação do jugo português haveria ampla mobilização popular, com a possibilidade até mesmo de revolucionar a base da sociedade escravista, pesadelo impensável para a aristocracia rural. Ainda mais pelo fato de que, alguns movimentos (entre eles a Inconfidência Mineira, Conjuração Baiana) serviam de alerta no sentido da tomada do poder pelo povo. – Aqui se explica o fato do povo ficar distante. Dentro de uma rede de sociabilidade e interesses, a aristocracia rural encontrou no jovem príncipe regente D. Pedro a “tábua de salvação” para a realização do processo de independência, ‘pacificamente’. D. Pedro, que, à força de manobras e acontecimentos, foi sendo posto à frente do processo separatista, desde antes de 1822. Eis que, sorrateiramente acontece a independência: de um processo emancipatório irreversível e possivelmente popular, têm-se uma solução resolvida em acordos (com a elite rural) e ‘em família’ (de pai para filho). – Aqui se explica o fato da manutenção da escravidão e, do poder ‘sair’ das mãos do pai e ‘passar’ para as mãos do filho mantendo-se uma carcomida monarquia. O movimento de 1822 foi ambíguo e contraditório (ao mesmo tempo em que foi liberal, foi conservador). Então, por tudo isso e muito mais, é possível refletir sobre as indagações feitas inicialmente: Um evento construído historicamente assim não tem condições de sustentar-se como cultura fundante de brasilidade e ufanismo e que um herói forjado bem ao modo “para inglês ver” nos possibilita o entendimento de que por essa razão ele não “cola” como modelo de referência a heroísmo e bravura.

*Jessé G. Cutrim é professor da UEMA e da rede estadual (C. E. Nascimento de Moraes) em Imperatriz.