Geovana Carvalho
“Minha bisavó era índia Timbira, morava na tribo daqui”. Domingas Paixão, 68 anos, conta ser de origem indígena. A bisavó materna, segundo ela, habitava numa tribo Timbira à época em que chegou Frei Manoel Procópio. A risonha Domingas narra com alegria, saudade e muitos gestos histórias da infância e juventude, vividas na então rua Grande, hoje a 15 de Novembro.
“A vovó contava que botaram cachorro nela [na bisavó] pra amansar ela... Essa história vem sendo contada de mãe pra filha”, relata Dona Domingas. Em meio a intensas gargalhadas, ela explica - conforme a história oral que transmitiu a ela e às sete irmãs, relatos sobre os antepassados - que a expedição que trouxe o Frei tinha como principal objetivo o aldeamento dos índios da região. “Aqui na região haviam os Krikati, Gavião e Timbira. Eles brigavam muito entre eles, tinha que catequizar”, diz Dona Domingas.
Quando crianças, moravam no povoado Jatobá (nas proximidades do Imbiral). A família vivia da agricultura. Dona Domingas diz que, naquele tempo, as irmãs à medida que cresciam eram enviadas pelos pais para estudar em Imperatriz. Vieram todas. Ela veio em 1946, aos sete anos. A mãe, que sabia ler e escrever, alfabetizou as filhas: “A mamãe alfabetizou a gente. Ela foi interna da Escola Santa Teresinha. Naquele tempo, meninos e meninas estudavam em salas diferentes. A escola das meninas se chamava Santa Teresinha e dos meninos, se não me engano, era chamada São Francisco, mas era a mesma escola, só que com nomes diferentes”, comenta Dona Domingas.
Em meio à conversa chega Dona Francisca, dando gargalhadas de algum fato ocorrido no interior de sua casa. Entra na conversa e, com muita gesticulação, traz à tona as lembranças dos anos idos. Dona Francisca descreve as traquinagens na infância: “Naquele, com doze anos, eu ouvia a zoada do avião e podia estar onde estar... se estivesse na escola eu saía correndo pra pista de pouso... quando a professora procurava tava só o lugar...”, relembra ela. Olhando para a irmã Domingas, começam a relatar, de forma aleatória, episódios pitorescos da mocidade.
Prossegue Dona Francisca: “Eu via todo mundo que chegava, vi o Juscelino Kubitschek... um monte de gente importante. Um dia um rapaz ia atravessando o aeroporto e não viu o avião, aí a asa do avião bateu na cabeça dele e arrancou a parte que cobria o miolo e ficou tudo de fora. Isso, quando comentaram na escola, nós saímos que ninguém nem viu...”. Às gargalhadas, diz: “Coitado, era tão novo”, e seguem as gargalhadas das duas irmãs. “Menina tu me vê assim magrinha e pequeninha, mas não queira saber o quanto eu era danada, até hoje sou”, conclui Francisca.
Dona Domingas retoma as memórias. Ela lembra que na Igreja Santa Teresa D’Ávila – na qual assiste missas até hoje – os homens sentavam-se à frente e as mulheres na parte de trás. Certa vez um “namorado” - diz ela, que naquela época os namorados sequer podiam se falar, em geral somente cumprimentavam-se de longe - sentou perto dela na missa e os presentes olhavam e cochichavam sobre a ousadia do rapaz. Sem entender o porquê do alvoroço, perguntou a Dona Domingas o que estava acontecendo e ela respondeu que homens não sentam perto de mulheres. Dona Francisca emenda: “Eu que não tenho coragem de ficar a sós com um homem, até hoje não tenho”. E as duas caem na risada.
Dona Domingas recorda das surras que levava da mãe e da avó. Como era a filha mais velha, tinha que cuidar das mais novas enquanto os pais trabalhavam na lavoura: “A mamãe tinha um canterão nas margens do rio. E a gente se levantava cedo pra ‘aguar’. A gente ia era banhar no rio... e a Domingas, que apanhava porque todas nós em vez de ir ‘aguar’ as plantas, a gente caía no Tocantins”.
Dona Domingas assegura que teve uma infância feliz e diz: “Tenho saudade daquele tempo, das mangas verdes bem comidas... Fomos criadas tendo a honestidade em primeiro lugar, não tenho do que me queixar”. Dona Francisca completa: “Naquele tempo era bom, mamãe contava histórias pra nós. Fomos criadas lendo. Somos formadas, eu fiz Pedagogia. A Domingas fez Letras e Pedagogia e foi professora por muito tempo”.
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