Lineker Costa
Margaret Valente

 
Em um lugar isolado pelas águas do Rio Tocantins, no povoado chamado Matacurá, município de Baião, distante cerca de 275 km da capital do estado do Pará, vive o senhor José Braz Pereira dos Santos, 87 anos, aposentado, barqueiro, artesão e amante do rádio. Seu Zé Braz, como é chamado, é um homem simples do trabalho no campo, divide seu tempo entre o artesanato de madeira e o transporte de pessoas em seu barco. Nas duas atividades o rádio é seu companheiro.
Às 05 h da manhã, Zé Braz acorda e imediatamente liga seu radinho de pilha. Matacurá ainda não possui energia elétrica. O rádio é o único meio de comunicação daquela comunidade. "O que eu mais gosto de ouvir é as notícias, e gosto também dos programas que falam da Bíblia, da palavra de Deus, mas ouço tudo o dia inteiro", destaca Zé Braz. Ele gosta de estar informado, e procura as notícias mudando as estações até encontrar.
É incrível como alguém que mora em um lugar de difícil acesso, onde o barco é o único meio de transporte, pode ser tão bem informado a ponto de memorizar fatos e datas históricas como ninguém. É pelas informações do rádio, que ele não perde a data do recadastramento da aposentadoria. E quando se fala no benefício ele logo diz que as alterações do salário mínimo são notícias que sempre lhe interessam.  Ouvindo o rádio, seu Braz chega a dialogar com os locutores, como se eles pudessem o ouvir. Quando as notícias não lhe agradam, ele critica e quando concorda elogia.
Mesmo deficiente visual do olho direito, lapida a madeira para produzir seu artesanato: barcos (grandes e em miniatura), remos, pássaros, mão de pilão, pilão, paneiro (espécie de cesto de carga adaptado para carregar nas costas) e outros objetos, tudo isso com uma pequena faca pontiaguda. Quem o conhece sabe da sua máxima, "o melhor exercício para a mente é o trabalho". Enquanto trabalha está ligado na programação do rádio. Para ele, o que ouvi de notícia é a única forma de ficar informado dos fatos que acontecem fora da comunidade em que vive.
No dia 17 de setembro de 1999, às 06 h da manhã, assim que ligou o rádio, ouviu a notícia de um acidente corrido com uma van de passageiros no município de Breu Branco - PA. Durante a leitura da lista de mortos no acidente, ele ouviu o nome do filho Edvaldo Valente Pereira, o que lhe fez correr para a cidade de Tucuruí e poder chegar antes que seu filho fosse enterrado. Fato que até hoje lhe causa comoção. Saber da morte do filho pelo rádio só aumentou a sua ligação com o aparelho. "Se não fosse o rádio eu nem ia saber que meu filho tinha morrido", afirma Seu Zé com tom de gratidão.  
A sua idade não é sinônimo de tristeza ou fraqueza, pelo contrario. José Braz se recusa a tomar medicamentos, come de tudo e se mantem com saúde. Sua alegria e irreverencia contagiam a todos os moradores do povoado onde mora. Sua filha Margaret conta impressionada, "é sempre muito ativo e nunca fica parado. Conta piada, faz as pessoas rirem e se diverte, sempre com seu rádio do lado".
Por medo de ficar sem pilhas para o rádio, anda sempre com um estoque reserva e diz: "enquanto eu tiver vivo e tiver saúde, escutarei meu rádio e vou me manter informado, o meu rádio eu não substituo por nada".

Revisão Nayane Brito e Thays Assunção.