Illya Nathasje
Como jamais visto nos últimos tempos, um assassinato desencadeou no Rio de Janeiro uma onda de protestos e, como rastilho de pólvora, ganhou o mundo. Só se fala nela, Marielle Franco, 38 anos, mulher, negra, favelada, bissexual, pensadora. Como se vê, não era uma, representava muitas, inclusive, política de mandato, vereadora eleita em 2016 com mais de 46 mil votos, com potencial à candidata a deputada estadual nas próximas eleições. O crime lhe calou a voz, contra os crimes cometidos por milicianos e denunciados PM; e as atitudes, em defesa das mulheres e seu contexto abrangente;dos negros e favelados.
Na sequência exacerbada dos ecos noticiosos que pautam desde o dia do crime todos os meios de comunicação, o jornal O GLOBO em seu editorial de ontem, disse que o assassinato de Marielle é bem mais do que um novo número na estatística. Quase a mesma hora, vítima de assalto, um pai era morto diante de uma criança de 5 anos, seu filho. Detalhe, não reagiu e entregou aos assaltantes o motivo do roubo, seu veículo. Coisa corriqueira a que os governantes e autoridades do RIO se habituaram a ver, indiferentes, como símbolo do descontrole como mostra o estratosférico número de 5.332 homicídios acontecidos em 2017. Terra de ninguém. Discordo do filósofo Valdimir Saflate quando afirma que quem mata tem carta branca do poder. Depende de qual poder ele quer nomear, pois dito assim é genericamente chulo e poderosamente maldoso. Concordo com ele, quem mata tem certeza da impunidade.
Segundo O GLOBO, "bem mais do que um novo número na estatística", porque além do contexto da violência, representa um atentado contra as instituições e a democracia. O crime contra Marielle é isso, então? E o crime contra o outro cidadão, é o quê? Um atentado contra a cidadania? E mais: para que servem as instituições e a democracia se não há direito à cidadania?
É em nome das instituições que juízes promovem greve para não perderem o auxílio moradia, enquanto milhões de brasileiros sequer tem uma casa para morar, muitos se 'abrigando' debaixo das pontes, viadutos e nas calçadas; é em nome da democracia que a ex-presidente Dilma Rousseff reaparece com mais uma afirmação obtusa afirmando que o assassinato da vereadora faz parte do Golpe. Ela, Dilma, convicta injustiçada que atropelada pela multidão nas ruas em 2013, saiu-se com a proposta dos 5 Pactos, concepção tão abstrata que o vento tratou de esvair, juntamente com a ideia de uma Constituinte Exclusiva e por fim, um Plebiscito para promover a reforma política. Passadena, PassaDilma. Sem saudades!
Bom... Marielle Franco é uma face da moeda. Esquecida no tempo, Patrícia Acioly, lembram dela? É a outra. Com 21 tiros, a juíza foi executada na madrugada de 12 de agosto de 2011. Ambas carregam consigo a proximidade que o ato covarde trouxe: disparos efetuados por armas de uso restrito das Forças Armadas. O que diferencia uma da outra é o modus operandi. Uma fazia da tribuna e da militância seu combate; a outra, da convicção que o direito lhe concebeu, travava uma renhida luta contra maus policiais e bandidos outros. Faces diferentes, a moeda evidencia o mesmo combate, em busca de um mundo melhor. Pena que assim como os corpos, até aqui tomba também a Justiça, pela impunidade que sobressai.
Entre as duas, a grande diferença são os atores, do presidente da República ao ministro, do cantor aos ativistas de carteirinha, sempre de plantão, até o morador de rua. O que se vê agora é o clamor que ecoa em busca de culpados, punição e outros afins. É de se lamentar a morte de Marielle, não pelos seus atributos, mas sim, pela mais pura das qualificações, um ser humano. Quem matou Marielle mesmo? Seus executores serão presos e julgados, não tenho dúvidas, embora o resumo que fica é que sua morte encerra uma dura lição. Não fosse a omissão dos que não gritam quando não lhe interessam, dos que não foram as ruas, não cantaram, não promoveram uma vigília quando morreu Patrícia Acioly e tantos outros, Marielle, tantas outras e outros tantos, pudessem estar vivos.
- Não é muito dizer, quem matou Marielle foi a indiferença de tantos, aos milhares, agora presentes.
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