Elson Araújo
O caso do município de São Félix de Balsas, no Sul do Maranhão, onde a população há anos sofre restrições ao sagrado e constitucional direito de ir vir se enquadra perfeitamente na possibilidade da impetração de um habeas corpus coletivo ao se considerar entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF).
O direito de locomoção do cidadão são-felense de entrar e sair da cidade termina na beira do Rio Balsas. Se tem como pagar o valor cobrado pela empresa, prestadora de serviço, atravessa, senão fica preso aos limites da cidade. A opção que o morador tem de sair é fazer um voleio até perto da divisa com o Piauí. Quem tem carro, tempo e dinheiro para assegurar combustível tudo bem, para quem não tem, a possibilidade é só mesmo o impossível.
O Habeas corpus é um instrumento constitucional que pode ser manejado por qualquer cidadão em defesa de direito próprio ou de outrem, não precisa de advogado e além disso, é gratuito.
No caso do Habeas Corpus Coletivo apontado no “caso São Félix” pela fumaça do bom direito, naqueles que têm chegado aos tribunais aparecem como legitimados algumas associações; seguindo assim, a doutrina das ações coletivas que são aquelas propostas por um legitimado extraordinário ou substituto processual em defesa de um direito naturalmente coletivo extensivo a uma comunidade ou coletividade.
Mesmo ainda não tendo previsão legal, tal instrumento desde 2018 passou a ser admitido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de um caso concreto, o Habeas Corpus 143.641, impetrado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos em benefício de todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional gestantes, puérperas ou de mães com crianças até 12 anos sob sua responsabilidade.
Divergências doutrinárias à parte, uma vez que há quem seja a favor e contra, o ministro Ricardo Levandowski, relator do aludido habeas corpus, declarou ao ser questionado sobre o tema que a partir desse entendimento o Habeas Corpus passou a ser um instrumento polivalente que pode ser utilizado em qualquer situação em que haja lesão massiva contra o direito de ir vir.
Ao se partir desse entendimento do ministro do STF questiona-se: o que se constata na pequena São Felix não se configura numa grave lesão massiva ao direito fundamental de ir e vir, direito esse tutelado pelo chamado remédio heróico?
Também no caso em debate não se pode desprezar a violação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana que no ensinamento do doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet é compreendido como a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, complexo de direitos e deveres fundamentais que protejam a pessoa contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano; e que lhe garanta as condições existenciais mínimas para uma vida saudável.
São objetivos fundamentais da República do Brasil garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos independente da origem, raça, credo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Nesse diapasão há uma falha grave no sistema quando não são apresentadas ações concretas que garantam o mínimo para que a população de São Félix saia da marginalização do isolamento e retome a dignidade perdida. O mínimo dos mínimos na situação apresentada é uma ponte de 80 metros de extensão prometida e reprometida em palanques de políticos, há anos.
O Habeas Corpus Coletivo parece ser no momento o remédio necessário a ser dosificado a favor dos são-felenses para que possa ser garantido a eles o direito sagrado de ir vir.
Na menor das expectativas de direitos que venha a ser determinado que o Governo do Estado e o município pelo menos custeiem o transporte dos moradores na travessia do Rio Balsas enquanto a ponte não deixe o campo dos sonhos e vire realidade afinal, o transporte é um direito social também previsto na Constituição assim como o é a educação, a saúde, alimentação, trabalho, a moradia, lazer, segurança, previdência social; a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados, como parece hoje a comunidade de São Félix de Balsas.
Comentários