Carlos Nina*
Quando li a primeira edição de Minha razão de viver - Memórias de um Repórter, de Samuel Wainer, uma afirmação sempre ficou na minha memória. Não me lembro exatamente das palavras do texto, mas a mensagem que me ficou foi a de que Wainer teria dito, expressamente, que a corrupção no Brasil estava vinculada diretamente às empreiteiras. Salvo engano, usava o termo construtoras. Estou usando, agora, a palavra empreiteiras porque é esse o termo usado e repetido com clareza na reedição do livro, com os acréscimos que o Autor autorizou que fossem feitos depois de decorridos 25 anos de sua morte, em 1980.
As notícias sobre a corrupção no Brasil, nas últimas décadas, confirmam aquilo que Wainer tinha dito em seu livro. Diante do último (?) escândalo - Petrolão -, eu pretendia escrever sobre o assunto, no qual estão envolvidas construtoras, mas já não tinha o livro. Dei-o, após ler, à médica Maria Aragão, comunista confessa, presa e torturada pela ditadura de 64, que sempre me presenteava, também, com algum livro. Sobre ela escrevi um artigo, publicado e republicado em diversos jornais e disponível no site www.consensual.com.br.
Em conversa com seu neto, Mário Macieira, atual presidente da OAB-MA, perguntei-lhe se poderia dar-me notícia dos livros de Maria Aragão, que já havia falecido, e expliquei-lhe meus motivos. Mário disse-me que ia informar-se e me daria notícia. Logo em seguida, porém, encontrei, numa livraria, o que me parecia ser a segunda edição do livro, editado em 2005. Comprei-o, disse a seu neto que já não era necessário o livro porque havia adquirido uma segunda edição. Nem percebi que o título era outro: Minha razão de viver - autobiografia.
Resolvi lê-lo antes que 2014 acabasse. Para minha surpresa, Augusto Nunes esclarece nas primeiras páginas: "O que deveria ser a primeira reedição pela Planeta de Minha razão de viver - Memórias de um Repórter, acabou por transformar-se na edição completa - e, portanto, definitiva - da autobiografia de Samuel Wainer. (...) Até agora faltava ao livro informações complementares ... agora não falta nada. As informações complementares invadem labirintos e porões do esquema de arrecadação de dinheiro...".
O livro é uma rica fonte histórica, inclusive sobre a grande imprensa brasileira, mas é, também, extraordinário material para uma reflexão sobre a ética, na política e mídia.
Mas não é esse o objetivo deste texto. Basta a transcrição de algumas afirmações de Wainer para que, neste começo de ano, possamos refletir sobre o que queremos para este País. Os mais interessados, mesmo que não gostem de SW ou que não acreditem em tudo o que ele disse, podem e devem ler o livro para fazer suas próprias avaliações e ter uma melhor compreensão dos textos citados, cuja interpretação será mais completa se lida dentro do contexto da obra.
Algumas afirmações, porém, não precisam de contexto. São a expressão do dia a dia, 35 anos depois de sua morte. Fato sintomático para quem era chamado por Getúlio Vargas de "Profeta". (p. 21 e 337).
Eis duas breves transcrições:
"Nos anos 50, os barões do café foram substituídos pelos grandes empreiteiros. (...) Com a cumplicidade da imprensa, seria sempre mais fácil, também, receber do governo - um mau pagador crônico - o dinheiro a que tinham direito pelas obras executadas. Feitas tais constatações, logo se forjaram sociedades semiclandestinas bastante rentáveis." (p.289).
"O esquema era simples. Quando se anunciava alguma obra pública, o que valia não era a concorrência. Todas as concorrências vinham com cartas marcadas, funcionavam como mera fachada. Valiam, isto sim, entendimentos prévios entre o governo e os empreiteiros, dos quais saía o nome da empresa que deveria ser contemplada na concorrência. Feito o acerto, os próprios empreiteiros forjavam a proposta que deveria ser apresentada pelo escolhido. Era sempre uma boa proposta. Os demais apresentavam propostas cujas cifras estavam muito acima do desejável, e tudo chegava a bom termo. Naturalmente, as empresas beneficiadas retribuíam a boa vontade do governo com generosas doações, sempre clandestinas." (p. 307).
Atualmente, parte das doações já não é clandestina. Permanecem na clandestinidade as motivações. Afinal, com que finalidade empresas privadas doam milhões de reais para financiar candidaturas? Por que não investem essas fortunas na qualificação e na melhor remuneração de seu pessoal, ou mesmo em rentáveis aplicações financeiras?
Essa farsa não se acabará com a Reforma Política, tema recorrente. Somente com a valorização da educação e de princípios éticos. Hipótese incompatível com a conduta e os interesses da maioria dos que podem fazer essa reforma.
* Juiz estadual aposentado. Membro da AMMA e da AMB
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