Adalberto Franklin*
O povoamento dos sertões ao sul do Maranhão se deu através da frente colonizadora nascida com as entradas patrocinadas a partir da segunda metade do século XVI pela Casa da Torre, fundada no forte de Tatuapara por Garcia d'Ávila, o jovem "feitor e almoxarife da cidade do Salvador e Alfândega", suposto filho de Tomé de Sousa. Garcia d'Ávila foi o primeiro criador de gado do Brasil; recebera do dito pai, em 1549, um casal de gado. Era um "empreendedor". No final da década de 1950, já era "o homem mais rico e poderoso da Bahia". Dono de um exército de milhares de índios Tupinambá e mamelucos, Garcia d'Ávila usava-os para promover guerras contra os "tapuias" e alargar suas posses, onde fundava novas fazendas.
Subindo ao largo do rio São Francisco, avançando pelos sertões, o morgado dos Ávila, através de sucessivas gerações, chegou ao sul do Piauí, no final do século XVII, onde fez devassa, exterminou os índios e apoderou-se das terras, estabelecendo dezenas de fazendas, entregues aos cuidados de arrendatários, foreiros e posseiros. No início do século XVIII, os tentáculos de Garcia d'Ávila atravessaram o Parnaíba e se instalaram nos "pastos bons", onde fundaram a povoação de mesmo nome e, a partir daí, inicia-se o povoamento do sul do Maranhão.
Bandeiras da vila de Pastos Bons, na primeira década do século XIX, saíram em conquista das terras sul-maranhenses. Estabeleceram fazendas e fundaram povoações: Riachão, São Pedro (Carolina) de Alcântara e Chapada (Grajaú) foram as primeiras.
Em toda essa marcha dos criadores para o este, da Bahia ao Maranhão, por quase três séculos, a presença do negro era insignificante. A Casa da Torre estabelecera um sistema de criação em que utilizava, prioritariamente, o caboclo, mestiço de índio com branco, mais adaptado ao campeio e à labuta sertaneja. Os índios se mostravam menos adaptável a essa lida e mais afeitos às guerras, a uma vida mais erradia, por isso costumavam integrar os contingentes bandeirantes. Os negros escravizados tinham preço muito elevado e encareceriam os custos da criação do gado, por isso estavaram mais restritos ao eito dos engenhos de cana-de-açúcar e a serviços domésticos das ricas famílias das cidades. Ademais, o costume era fundar-se uma fazenda e entregá-la a um vaqueiro que, com sua família, assumiam todos os trabalhos, custos e riscos da empresa, num sistema de paga por quarteio - a cada quatro animais nascidos, o vaqueiro se tornava proprietário de um, o que motivava o vaqueiro nessa árdua lida, na esperança de um dia poder, ele próprio, tornar-se também um fazendeiro. Esse sistema carecia, portanto, de homens livres, que pudessem assumir os encargos da tarefa.
Nos sertões maranhenses, a vida era geralmente modesta e espartana. Mesmo os maiores fazendeiros viviam modestamente, sem ostentação ou luxo. Muito até tomavam parte na lida com o gado. Poucos eram os verdadeiramente abastados e que tinham escravos a seu serviço. Apenas em Riachão, Carolina e Grajaú verificou-se maior incidência do negro escravo, mesmo assim, em número muito reduzido em comparação com o litoral e a Baixada maranhenses. A população era predominantemente cabocla, sertaneja, que se constituiu nessa epopeia de criadores no sertão nordestino.
No sudoeste maranhense, que começou a ser povoado a partir da fundação da povoação de Santa Teresa, atual Imperatriz, em 1852, por uma frente de colonização e aldeamento patrocinado pelo governo do Pará, a presença do negro foi ainda mais escassa. Protegida por uma confederação timbira que por quatro décadas, essa região somente sucumbiu ao avanço colonizador dos criadores por volta de 1850, coincidentemente no mesmo período em que Frei Manoel Procópio fundou a povoação de Santa Teresa.
Beneficiados e protegidos pelo trabalho catequético do frade carmelita, os criadores do Riachão, Carolina e Grajaú avançaram então pelas "matas gerais" do Tocantins, no território da nova povoação. Criadores e vaqueiros estabeleceram fazendas e, da mesma forma que seus ancestrais, utilizaram o sistema de parceria na criação do gado. Negros existiam, mas muito poucos; em sua quase totalidade, a serviço das casas-grandes, sedes das fazendas, ou na cidade, em outros ofícios.
Mas é certo que em Imperatriz, a principal vila do sudoeste maranhense, chegou a ter mais de uma centena de negros escravos, pouco antes do fim do cativeiro. A historiadora Edelvira Barros, no livro "Eu, Imperatriz", registra que essa vila teve um Junta Classificadora de Escravos e menciona a luta da negra forra de nome Alberta que trabalhou incansavelmente para comprar a liberdade de seus filhos.
É necessário dizer, também, que Imperatriz tem, em sua história, fortes marcas da presença de mulheres e homens negros que engrandeceram a cidade e a região. A começar do primeiro e destacado escritor, Manoel de Sousa Lima, ali nascido em 1889, um ano após a Lei Áurea. Sousa Lima, ou "professor Saboia", autor de várias obras, membro da Academia dos Novos de São Luís e da Casa de Humberto de Campos em Carolina, é patrono de várias academias de letras, em Goiás, Tocantins e Maranhão.
Também merecem destaque, o "coronel" Simplício Moreira, comerciante e maior líder político de Imperatriz no século XX; Severino Batista, fundador do primeiro sindicato de Imperatriz (o dos Arrumadores) e fundador da 'Sociedade Atlética Imperatriz, o "Cavalo de Aço"; o caxiense José Matos Vieira, fundador do jornal "O Progresso", e muitos outros e outras, pois diversas mulheres negras também influenciaram e deixaram/deixam sua marca na história de Imperatriz, principalmente educadoras, de ontem e de hoje: Adalgisa Moreno, Isaura Silva, Herly Sousa, Maria Luíza, Eró Cunha... e várias outras personas que fazem valer a consciência de negritude.
*Adalberto Franklin é jornalista, historiador e editor literário. Autor de "Breve história de Imperatriz" e "Apontamentos e fontes para a história econômica de Imperatriz", dentre outros. Membro da AIL, da ALHERP; do IHGM.
Publicado em Cidade na Edição Nº 14558
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