Principiava, ainda, pelos caminhos da Medicina Pediátrica, quando, incansavelmente, inúmeros mestres da Pediatria Nacional e Internacional vociferavam com eloquência científica os seus vastos conhecimentos sobre a importância do afeto à vida de toda e qualquer criança de zero a três anos, principalmente. E levados pelos ensinamentos do Psiquiatra Infantil e Psicanalista infantil – René Spitz formaram um verdadeiro exército de profissionais convertidos à ideologia médico-pediátrica, alicerçada na importância do vínculo afetivo mãe-filho, ou de um adulto substituto, dotado de um espírito maternante, nos primeiros três anos de vida. Notadamente, nos primeiros 18 meses. 
 Renée Spitz (1887-1974) evidenciara em seu estudo com crianças hospitalizadas ou deixadas em orfanatos, por longo período, longe de suas mães, um sério prejuízo à saúde mental de todas elas. Após tais conclusões, a OMS, em 1950, decidiu introduzir tais orientações num documento - Cuidados maternos e saúde mental -, onde se afirma: “Fica claramente comprovado que os cuidados maternos, no decurso da primeira infância, principalmente, nos primeiros três anos de vida, teêm um papel essencial sobre o desenvolvimento harmonioso da saúde mental”.
Nesse estudo, o renomado psiquiatra infantil e psicanalista René Spitz pode documentar o nível de angústia sofrido por uma criança quando era separada do seu primeiro objeto de amor, ou seja, a mãe, durante a sua clausura hospitalar ou em orfanato. Independentemente da faixa etária.  Consequentemente, uma criança ao vivenciar a privação afetiva do contato materno, desprovida, portanto, do som da voz materna, do olho no olho, do cheiro do suor materno e, muitas vezes, aquela época, do Aleitamento Materno foram contributos, indiscutivelmente, para aumentar a angústia no mundo psíquico das crianças por ele analisadas. Através desse estudo, muitos profissionais da pediatria, psiquiatria infantil e neurologia infantil e psicologia infantil passaram a ter uma preocupação maior em relação a prevenção da carência afetiva na infância. O sofrimento vivido por essas crianças, além da privação do afeto materno, eram submetidas, muitas vezes, a múltiplas injeções venosas e intramusculares, e, também, possíveis, maus tratos físicos e psicológicos, inclusive: Abuso sexual!
Ao longo de sua pesquisa, analisou o impacto dos múltiplos lutos vivenciados por uma criança. No que se refere à hospitalização, no primeiro momento, a criança sofre imensuravelmente ao se separar da mãe. E durante o período hospitalar, a criança, após superar o período de luto pela ausência materna, inicia um processo de empatia com os profissionais das instituições nas quais se encontra. Ocorre que, quando os vínculos afetivos com seus novos cuidadores se fortalecem, nesse momento, quase sempre, vem a alta hospitalar. 
Consequentemente, a criança registrará no seu inconsciente um novo luto. Considerando que aqueles rostos, a princípio estranhos, mas que se foram tornando próximos ou empáticos para a criança, deles se distanciará. Através desse estudo de importância científica, em nível internacional, pode verificar que muitas das crianças confinadas, nos hospitais ou orfanatos, foram acometidas de Depressão Anaclítica, ou seja, se a rotura afetiva foi parcial ou passageira, os danos comportamentais causados a essas crianças tornavam-se reversíveis, ou seja, o reencontro com a mãe corrigia os danos ocasionados por sua ausência. Ao contrário, quando a privação do afeto materno era prolongada, a irreversibilidade dos danos mentais as crianças acometidas, pode ser constatada. A esses transtornos mentais em consequência da privação do vinculo mãe-filho, de natureza prolongada, René Spitz denominou: “HOSPITALISMO”!
Segundo Spitz, a privação afetiva precoce causa dor psíquica (depressão), e acontecia nas hospitalizações prolongadas da mãe ou da criança. No início do século XX, no mundo Ocidental, a grande preocupação das autoridades médico-sanitárias era prover as instituições médico-hospitalares de um excelente padrão de higienização e considerável nível técnico de atendimento, objetivando, com isso, uma redução das moléstias infecciosas decorrentes de sujeira. Todavia, após os estudos do referido pesquisador na área psiquiátrica e psicanalítica, aqui descritos, em parte, as vítimas do HOSPITALISMO tornavam-se vulneráveis às infecções bacterianas e virais, ou seja, ficavam imunologicamente incompetentes.
Como se vê, até então, e, infelizmente, ainda hoje, os aspectos emocionais, que se encontram em fase de desenvolvimento, continuam pouco valorizados por nossas autoridades médico-sanitárias. A coisificação, do ser humano, desde a infância nos meandros da saúde, apesar dos esforços de renomados estudiosos sobre o assunto, dentre eles Sigmund Freud, D.D. Winicott, Melanie Klein, Françoise Dolto, Raquel Soifer, Maria Tereza Maldonado, Marília Makaroun, além de renomados pediatras como: Dr. Jayme Murahovschi, José Martins Filho, os quais nunca se pouparam de lutar incansavelmente pela humanização no atendimento à criança e ao adolescente. Entre os citados, alguns já falecidos. Contudo, suas obras permanecem um verdadeiro arsenal de conhecimentos sobre a importância que deveríamos ou devemos dar ao desenvolvimento psíquico-emocional de toda e qualquer criança nos seus primeiros anos de vida.
Lembro-me, quando encerrava o Curso de Medicina pela UFPA, durante o estágio em Pediatria, aprendera com o nosso Coordenador – Prof. Dr. Heber Monção, Santa Casa de Misericórdia do Pará: “Bom seria que nenhuma criança de tenra idade tivesse motivos para se desvincular de sua mãe”. Imagine isso, data da década de 70. Naquela época, as crianças, quando eram hospitalizadas, ficavam afastadas de suas mães ou adultos maternantes. Somente a partir da década de 80 é que as sociedades pediátricas, em nível de Brasil e Internacional, juntamente com a OMS, UNICEF, após sucessivas campanhas em favor da presença materna junto aos seus bebês quando submetidos a tratamento hospitalar. 
Hoje, porém, quando temos inúmeras crianças submetidas a tratamento em UTI, infelizmente, poucas são aquelas que permitem a presença da mãe ao lado de seu filho (a). O que contraria, profundamente, tudo que tem sido dito, sob a ótica científica e humanística, acerca do papel benéfico do vínculo mãe-filho, para a saúde orgânica e emocional de uma criança.
IOLE DA CUNHA, neonatologista, membro do comitê de Neonatologia e professora dos cursos de Reanimação Neonatal (SBP), professora do Curso de Especialização em Saúde pré e Perinatal, Educação e Desenvolvimento do Bebê- UNB, nos presenteia com esse artigo (A Neurociência e o Bebê de zero a três anos), nele vem reforçar a importância que devemos dar ao vínculo mãe-filho, desde antes da concepção. Faz isso, num discurso quase psicanalítico, acerca do período de zero a três anos de vida. Em suas pesquisas pôde constatar que os bebês prematuros ou não, mesmo quando submetidos aos modernos recursos tecnológicos de uma UTIN (UTI-neto-natal), ao receberem alta, com excelente saúde orgânica, não se tornam imunes, no decorre da vida, aos transtornos de déficit cognitivo, comportamental e, quase sempre, têm maior predisposição a atitudes antissociais, inclusive com relatos de overdose por drogas ilícitas, entre eles.
Diferentemente, os bebês prematuros ou não, quando assistidos numa UTIN dotada de ótimo padrão técnico, mas, acima de tudo, mamaizada, a recuperação desses bebês, sem dúvida alguma, será superior, tanto em relação à imunidade orgânica, como em relação ao seu desenvolvimento mental. Terão um rendimento escolar satisfatório e um interagir sócio afetivo dentro dos padrões de normalidade. Diante da temática, aqui, abordada, quero deixar bem claro, o quanto precisamos aprender sobre o desenvolvimento mental de uma criança, o qual, no passado, era tido como linear, hoje, sabemos que o desenvolvimento cerebral é não linear, ou seja, há tempos certos para a aquisição de diferentes conhecimentos e habilidades.
Depois deste passeio sobre o trabalho de algumas celebridades do passado no campo da Saúde Infantil, nos seus diferentes aspectos, com um enfoque maior ao desenvolvimento mental da criança de zero a três anos, quero lamentar publicamente, o fato, de que, ainda, temos inúmeras crianças nessa faixa etária, submetidas à ruptura dos laços afetivos com a mãe, por ocasião de um tratamento numa unidade de terapia intensiva, ou por motivos de ordem socioeconômica, no caso das crianças que desde antes de 12 meses, já estão em orfanatos ou creches. Precisamos mudar a rigidez de certos protocolos médicos, inclusive para os adultos enfermos, os quais ficam privados do convívio com seus familiares, no momento mais cruciante da vida. Não deveríamos negar a qualquer bebê o contato pele a pele com sua mãe, o som de sua voz, seu olhar, o cheiro do seu leite, e o calor dos seus abraços... Além de diferentes gestos que, somente, as mães conseguem realizar. E pela experiência por mim vivida numa UTI Humanizada do Hospital Osvaldo Cruz-SP, considero urgentíssimo que todas as UTIs, em nosso Brasil, fossem transformadas em UTIs humanizadas.

Fontes: O Primeiro Ano de Vida – René Spitz- 1979- Martins Fontes

A Criança e o seu mundo – Winnicott D.W- ED- ZAHAR Editores- 1964

A Neurociência e o bebê de Zero a três anos – IOLE DA CUNHA – SBP/UNB-porto Alegre-R. S.

Imperatriz, 27 de agosto de 2017.

Itamar Dias Fernandes – Médico - Pediatra

Membro da AIL