Fernando de Aquino

Eles usam roupas folgadas, sujas, sem nenhum calçado ou qualquer outro luxo. Moram geralmente em um banco da praça em um espaço de pouca higiene, cercado de animais e papelão. "Isso aqui é o nosso colchão, nossa toalha, lençol (…)", ilustra o morador de rua vestindo o objeto como um grande vestido. O cheiro forte de álcool também é uma característica do lugar onde moram aproximadamente dez moradores de rua. O local descrito não é periférico e muito menos afastado do centro, a "casa" dos mendigos fica em um importante cartão postal da cidade, emoldurado por uma tradicional igreja e diversos estabelecimentos comerciais - a Praça de Fátima.
Eles são hospitaleiros e como em uma casa oferecem até um assento. Francisco tem a expressão atônica, ele fica calado e espera a equipe de reportagem do O PROGRESSO se acomodar. Não demonstra muito carisma, mas presta atenção a todos os nossos movimentos. "Eu estou aqui porque quero, não tem outro lugar para mim, minha família mora longe e não tem ninguém pra cuidar de mim, aqui é minha casa", afirma o morador, que vive no local há dois anos.
A alimentação é facilitada pela grande quantidade de quiosques e lanches que ficam nos arredores. Pescoço, dono de uma tradicional lanchonete, diz que a relação com os moradores de rua é conflituosa. "Eles sempre vêm e pedem comida. O problema fica aí, até porque eles não sabem receber 'um não'. Se o cliente diz 'não tenho agora', eles ficam no pé da pessoa. Diversas vezes demonstram até comportamento agressivo. Quem não é acostumado e sempre ouve falar que eles são drogados fica inibido e até com medo". Pescoço também reforça que o uso de drogas é comum entre os moradores. "Eles não estão preocupados com roupas ou comida. A jogada deles é conseguir algo para trocar em drogas. Aqui no lanche eles roubam as cadeiras para trocar por cachaça".
A Polícia Militar, que fica em um trailer no extremo da praça, afirma que a relação com os moradores é pacífica até certo limite, mas geralmente não há problemas graves. Os policiais até mesmo zelam pela integridade física dos desabrigados. "Os maiores problemas que enfrentamos são as confusões entre o grupo. Eles brigam pelo local de trabalho porque os pontos estão marcados. Geralmente, quando um vem e toma o ponto, dá confusão. Fora isso, tem aqueles que fazem riscos em carros de pessoas que não querem pagar a 'olhada'. Às vezes eles estão deitados aqui e assim como qualquer filho de Deus, eles merecem descanso".
Sobre o uso de drogas, a polícia afirma que existe, mas a presença da equipe inibe bastante o consumo. "Percebemos que eles utilizam drogas porque quando é necessário conduzir um deles para a delegacia e é notória a presença de alguns entorpecentes, mas quando estamos por perto não percebemos o uso", afirma o Cabo Gonçalves, responsável pelo turno noturno na guarita da Polícia Militar.

Francisco de Peritoró

Francisco se mostra inquieto quando começamos a entrevista. Ele disse que perdeu todos os seus documentos, celular e outros objetos em um assalto. Chico, como é conhecido pelos colegas, veio de Peritoró (Baixada maranhense) para Imperatriz a trabalho. O rapaz fala rápido e gesticula muito as mãos. "Cheguei aqui já tem oito dias, eu almoço ali no popular. Um real é fácil arrumar. Mas o que eu queria mesmo era ir embora daqui pra minha cidade. Se tivesse o número da minha mãe, eu já tinha ligado pra ela pra mandar um dinheiro". Chico já pediu ajuda para voltar para casa, só que ele diz que os moradores de rua são invisíveis e por isso ninguém os ajuda.
O padre da Catedral de Fátima, Waldeci Martins, afirma que a igreja ajuda dentro das suas limitações. "Não temos um trabalho direcionado a eles, isso cabe às secretarias de ações sociais. A igreja presta um serviço assistencial, às vezes com uma alimentação e medicação".
O padre questiona também a falta de vontade dos moradores em sair do local. "O que se percebe dessas pessoas que moram na praça é eles perderam um referencial de vida. Se você oferecer um local para eles recuperarem-se, provavelmente não vão aceitar".
A secretária de Desenvolvimento Social, Miriam de Sousa Reis, afirma que a Prefeitura Municipal de Imperatriz já realiza diversos projetos junto aos moradores e que a pauta é importante para a prefeitura. "Nós já realizamos um diagnóstico social, já encaminhamos aqueles que moram fora. Aqueles que observamos na praça já criaram vínculo com a rua e não querem sair, nós estamos estudando um projeto para cessar aquilo que sustenta eles na rua, a esmola e o preço por vigiar os carros. O objetivo disso é criar uma logística para que o morador de rua aceite o atendimento internando aqueles que possuem dependência química".
A igreja e a secretaria oferecem alimentação para os moradores de rua. O restaurante popular distribui fichas gratuitamente meio dia. A sobrevivência também é complementada com a ajuda do trabalho de 'flanelinha'.
O antropólogo Roberto DaMatta trata em sua obra sobre a 'Casa' como um lar, segundo ele, as relações firmadas pela residência são fundamentais para criação de laços. Em um trecho da sua obra, ele diz: "A casa lugar de amor filial e familiar está sempre de portas abertas para aquelas pessoas queridas (...). Não contém apenas pessoas do mesmo sangue, tem sempre aquele agregado que vem de longe ou um amigo em dificuldade etc".
"Eles são minha família, me receberam, me ensinaram muitas coisas. Por enquanto, é aqui que eu moro", afirma o morador de rua Francisco de Peritoró.