Indiscutivelmente a história de Imperatriz não seria a mesma se fossem omitidos os "detalhes", situações em que o folclore se confunde com a realidade e ambos dão à cidade a graça cultural que está sendo depositada no cesto de lixo das gerações políticas que não cultuaram o passado, desfazem o presente e condenam o futuro ao mais absoluto ostracismo. Os mais velhos já morreram e outros estão morrendo levando com eles toda a memória da cidade, à sepultura os devaneios de uma geração que ousou sonhar, que banhada de suor e lágrimas, buscava no silêncio e na clandestinidade dos encontros proibidos, um alívio para a alma transbordando de saudades, quiçá da própria terra natal, pois cada pioneiro, de alguma forma, deixou atrás de si uma lembrança, um lar e uma família para trabalhar na construção de Imperatriz. Estas reminiscências que fazem parte da história da cidade estão sendo esquecidas, e dentro de pouco tempo deixarão de existir, assim como uma grande parte da história da própria Imperatriz que parece negar suas origens, milhares de anônimos que se foram legando o exemplo de suas vidas, e que hoje diante do inexplicável e completo abandono das autoridades, não fazem parte das tradições, dos valores culturais que um dia fizeram transbordar a expansão urbana da cidade para além da rodovia Transbrasiliana. O Mangueirão é parte dessa história, assim como todos os seus personagens, lembrados ou não, mas que acabam ficando sem história.

Wilton Alves

No final dos anos 50 e início dos anos 60, a construção da rodovia Transbrasiliana em Imperatriz parecia mais um formigueiro humano, não somente em razão dos trabalhadores da estrada, mas também de novos pioneiros e migrantes que chegavam em busca de novas oportunidades na cidade que estava emergindo no grande entroncamento geográfico proporcionado pela Belém-Brasília: a cidade era (e é até hoje) uma passagem obrigatória no projeto extraordinário da integração nacional.
10 anos depois, com o asfalto sendo concluído, também em várias frentes de trabalho, a Rua Benedito Leite vence o limite da rodovia e dá início a uma das mais belas fases da história da cidade, culminando em 1971 com o surgimento do MANGUEIRÃO, ou uma nova Rua Benedito Leite entrelaçada pelo folclore e as fantasias de noites enluaradas que acobertavam o sem número de boates, bares e casas de encontro que iriam satisfazer a ânsia amorosa de tantos trabalhadores anônimos que para lá acorriam ao cair da noite.
Grandes salões de dança foram inaugurados com o pomposo nome de boates, e entre elas o destaque para a Boate Cristal (na confluência da Rua Benedito Leite com a Transbrasiliana), Selva de Pedra, Montenegro e a própria Boate Mangueirão, de propriedade da Julieta Marques, inaugurada em 1971, período em que o Mangueirão se tornaria o responsável pelo surgimento de um dos setores residenciais mais importantes da cidade, o Jardim São Luís.

Sonhos e pesadelos

Em 1971, conta Lourenço Marques, um dos mais antigos moradores do Mangueirão (ele era irmão de Julieta Marques, proprietária da Boate Mangueirão), "que a proximidade do asfalto da Belém-Brasília transformava a Rua Benedito Leite em um formigueiro humano, mas havia paz e harmonia. A violência não fazia parte do cotidiano, embora houvesse pessoas de todos os estados brasileiros. A ordem era a diversão, ainda que dar tiros de revólver para o alto fosse considerada uma diversão, um brinquedo que nem era perigoso. Isso acontecia até na Boate Mangueirão, construída em um terreno com mais de 20 metros de frente. Eu não saía de lá, pois como já disse, a proprietária Julieta Marques era minha irmã."
Se por um lado é considerada a ausência da violência pelos frequentadores do Mangueirão, por outro, também antigos frequentadores e testemunhas que optaram pelo anonimato, relatam alguns pesadelos, como o Cabo Ricardo. Segundo eles, "era um metido a valente que gostava de intimidar todo mundo e acabou sendo assassinado por um estranho que não sentiu medo das ameaças recebidas. Quando isso aconteceu o estranho foi até a cozinha da boate e armou-se de uma faca peixeira. Com ela presa à cintura, voltou ao salão, quando o cabo Ricardo para mostrar a sua importância, o agarrou pelos cabelos abaixando-o até a altura de seu ventre e exclamando bem alto: você hoje vai satisfazer os desejos de um homem: abre a minha calça e mete a boca. Quando o estranho se levantou, foi junto com a peixeira, abrindo completamente a barriga do cabo".
Confirmam ainda outros frequentadores, que "o outro pesadelo era também um soldado da PM conhecido por satanás. De tanto aprontar e ameaçar as pessoas, um belo dia, quando de uma invasão na cidade, o PM satanás se dirigiu a um dos invasores que estava colocando cobertura em seu barraco e esbravejou: desce logo daí senão tu morre. O homem desceu, e num descuido de satanás, fazendo uso também de uma peixeira, tirou a vida do soldado."
Quanto ao cabo Ricardo, antigos frequentadores do Mangueirão relataram que "ele foi morto por um estranho que havia chegado de São Luís há pouco tempo, e como havia aparecido, também desapareceu... ninguém nunca mais soube qualquer notícia dele. Deve ter voltado para a capital do Estado".

Final melancólico

No melhor e mais importante período do Mangueirão, conta possivelmente a sua última moradora, Iracema Gonçalves de Assis, conhecida por dona Sena, que "a região havia prosperado e até outras ruas passaram a fazer parte do Mangueirão, como a Rua Luís Domingues, que também havia ultrapassado a fronteira da rodovia Transbrasiliana, e muitas outras, mas que o sonho estava perto do fim e deixando o Mangueirão na mais absoluta solidão."
O motivo, relata dona Sena, "foi a abertura do garimpo de Serra Pelada. Proprietárias de boates e toda a mulherada deram no pé acreditando que seria mais fácil ganhar dinheiro no Pará. De um dia para o outro o Mangueirão estava vazio, silencioso e aos poucos os antigos salões de dança começaram a se transformar em oficinas mecânicas sem charme e sem poesia", finaliza dona Sena com um ar de nostalgia, dizendo que "o fim do Mangueirão foi triste e infeliz."
Com o fim do Mangueirão nos primeiros anos da década de 80 e a instalação de oficinas mecânicas na região, Imperatriz continuou a crescer e se desenvolver. A expansão urbana estava apenas no começo, e com o Jardim São Luís surgia uma nova alternativa de investimentos e de moradia para a cidade. Mas esta é uma nova história.