Pode até parecer que haja um elo ligando o místico ao histórico no plano de desenvolvimento da expansão urbana de Imperatriz. Mas isso não é verdade, e ao contrário de cidades brasileiras "planejadas", como Belo Horizonte, Goiânia, Gurupi, Paragominas e Brasília, Imperatriz, sem a moderna tecnologia da medição e engenheiros contratados para isso, teve seus primeiros dias como resultados de uma projeção futurista como se também ela, primeiramente, houvesse nascido em uma planta sob a prancheta de um escritório de engenharia. Não foi assim, e nem por isso, conforme registra a sua expansão, deixou de ser uma cidade com todas as características de um planejamento adequado e capaz de atender às suas próprias exigências como marco de desenvolvimento de toda uma região atingida pelos reflexos da rodovia Belém-Brasília.
Wilton Alves
Se por um lado a Avenida Getúlio Vargas foi projetada para ser a "espinha dorsal" do desenvolvimento urbano de Imperatriz, por outro, não é menos verdade que a Avenida Bernardo Sayão tenha sido a responsável pela integração (e povoamento) de uma das regiões mais importantes da cidade, que é a região oeste e onde hoje se concentram os seus principais núcleos habitacionais, como os setores Juçara e Jardim Três Poderes.
Em consequência dessa integração de núcleos entre a Getúlio Vargas e Bernardo Sayão, houve desmembramentos dos mais importantes, entre eles uma valorização imobiliária desmedida para a época, pois ninguém naquele período poderia sequer imaginar o surgimento de praticamente uma nova cidade, constituída pelo "grande Santa Rita, Ouro Verde" e muitos outros núcleos habitacionais importantes que continuam demonstrando que o crescimento de Imperatriz, tanto na horizontal quanto na vertical, está muito longe de terminar, pois a expansão da cidade, nas avaliações de hoje, "está apenas no começo."
Histórico
Um dos principais objetivos propostos neste trabalho é resgatar o valor de cada rua, praça ou avenida, a partir de seus nomes, a maioria desconhecido pela própria cidade e a relevância que cada um teve para o desenvolvimento da cidade e até mesmo do Estado do Maranhão.
Bernardo Sayão Carvalho de Araújo é um desses nomes. Nascido no dia 18 de junho de 1901, na cidade do Rio de Janeiro, com formação acadêmica em Agronomia, depois de fundar e ver progredir um grande projeto de assentamento fundiário que deu origem às cidades de Rialma e Ceres, às margens do Rio das Almas, no Estado de Goiás, e a construção de uma estrada ligando a colônia agrícola à cidade de Anápolis, ainda no governo de Getúlio Vargas, tornou-se conhecido nacionalmente ao ser convidado pelo presidente Juscelino Kubitschek para delimitar o cinturão verde onde seria construída a nova capital da república.
Bernardo Sayão foi tão eficiente nessa tarefa, ao lado dos seus companheiros de trabalho, os candangos, que ele tratava como amigos e fez questão de morar ao lado deles, em uma casa de madeira localizada no Núcleo Bandeirante, conforme narra um velho amigo seu, Cristino Canindé, que todos chamavam de "tio", pois o velho do Núcleo Bandeirante conta como conheceu o homem forte e branco que se parecia com um gaúcho, numa madrugada, na estrada, tratorando. Tirara, com todo o respeito, o seu chapéu-de-couro e Sayão, sorrindo, mesmo no trator, chamara-o:
- Venha cá, meu tio. Preciso muito lhe falar...
- Pois não, patrão. Estou às suas ordens.
- Quero uns trabalhadores para abrir comigo uma grande estrada e sei que meu tio sabe escolher os homens que quero. É só mandar me procurar, ali na minha casa, perto do hospital. Sou Sayão.
- Conheço demais o senhor. Sei da sua fama e amanhã cedo o doutor terá os homens à sua disposição. Só de filhos meus vão mais de seis.
Foi assim que Cristino Canindé, o velho do Núcleo Bandeirante, ficou conhecendo Bernardo Sayão e dele se tornando amigo e colaborador (ninguém sabia exatamente o sobrenome de Cristino, pois Canindé era uma alusão à sua terra natal, a cidade de Canindé, no interior do Ceará).
Assim também o jornalista Antonio Callado, ao referir-se à construção da estrada, bem como ao seu construtor, o engenheiro agrônomo Bernardo Sayão: "Hoje, todas as vezes que viajo por esta estrada, considero: como Ceres e Rialma, foi ela o começo de tudo. Com essa Brasília-Anápolis, no tempo de Juscelino, Sayão rasgou no rumo do Mato Grosso de Goiás, no coração do grande Oeste, na direção das selvas amazônicas, 2.143 quilômetros pioneiros da Belém-Brasília."
Um desafio maior era o tempo: a Transbrasiliana teria que ficar pronta antes de terminar o mandato de Juscelino, pois ele mesmo a queria inaugurar. Dois anos seria o tempo para Sayão começar e concluir esta obra. Para isso, foram criadas diversas frentes de trabalho, algumas na direção norte-sul, a partir de Belém, e outras no sentido sul-norte, a partir de Anápolis, mas o "eixo" de todas as frentes, de onde Sayão comandava tudo, estava no atual município de Açailândia, à época ainda um território pertencente ao município de Imperatriz.
Encontro
Pouca gente sabe, mas o último encontro de Juscelino e Sayão aconteceu aqui em Imperatriz, cerca de dois meses antes da tragédia e morte do engenheiro, conforme relatou o próprio presidente em sua fala, no cemitério, ao despedir-se de seu amigo.
Outro fato importante narrado por Cristino Canindé é que o motorista de Sayão, Benedito Segundo, acima de tudo seu amigo, ao saber da morte dele, teve um infarto fulminante e também faleceu, sendo sepultado no mesmo cemitério, dia e hora de seu amigo. Mas no encontro de Juscelino e Sayão, o mais importante foi uma confidência feita pelo engenheiro: "No dia em que a estrada Belém-Brasília estiver concluída, posso partir para sempre."
Tragédia
Em meados de janeiro de 1959, Cristino Canindé era surpreendido pela morte do amigo e saiu em busca de "socorro" para que o amigo fosse sepultado em Brasília, pois muita gente queria sepultá-lo em Planaltina ou em Anápolis. A palavra final foi dada pelo presidente Juscelino, e Sayão foi mesmo sepultado em Brasília. Depois, Juscelino faz um pedido à família e aos amigos mais íntimos: "Quando eu morrer, quero ser sepultado aqui, ao lado do meu amigo Sayão. (Juscelino morreu em um controverso acidente de automóvel e seu corpo, conforme sua vontade, foi sepultado ao lado do amigo Bernardo Sayão).
Preludiando a morte de Sayão, o jornalista da Agência Nacional, Maurício Vaitsman, que fez cobertura dos principais acidentes da Belém-Brasília na época da sua abertura, narra-nos o seguinte:
"Benjamim Rondon teve estranho pressentimento dias após receber a última mensagem que Sayão lhe atirara do "teco-teco", no qual costumava sobrevoar as linhas de penetração na floresta. Em 9 de janeiro, ao cair da tarde, o avião de Sayão sobrevoou a mata e Rondon recolheu uma mensagem do próprio punha do grande engenheiro. Dizia o documento: "Açai - 17,02 horas -9 de janeiro de 1959. Pedimos manter o rumo de 230 magnéticos por onde vindo nossa turma que está distante uns 60.000 m da de vocês. Abraços. B. Sayão.".
Despedida
Comovido até as lágrimas, Juscelino Kubitscheck, vindo do Rio de Janeiro especialmente para o funeral do amigo, com tom de voz emocionante, disse aos presentes: "Aqui vim dizer adeus a Bernardo Sayão, morto no campo de honra, morto na batalha em favor do novo Brasil. Mas a glória começa na hora em que ele deixa este mundo. Até então nós todos que com ele lidávamos sabíamos que era um trabalhador excepcional, homem de fé e de energia fora do comum; sabíamos que não media esforços e sacrifícios para tornar maior e mais forte este País.
Hoje seu nome se inscreve na legenda; é um dos heróis da nacionalidade. Só nos consola de sua perda essa glória que começa a iluminar, agora, o vulto que acaba de consumar o seu sacrifício até a mais trágica consequência.
Pode-se dizer que Bernardo Sayão fez a oferenda de sua própria vida ao seu ideal. Era o comandante da batalha que desencantará a Amazônia de sua prisão, que virá retirar da pré-história tão grande, tão obscura e tão importante zona da nossa Pátria.
Morre de pé, no meio das últimas resistências da floresta imensa, quando o termo dos seus árduos trabalhos estava à vista. Quem o feriu foi justamente uma dessas numerosas árvores que ele teve que abater, para que o Brasil abrisse o seu mais difícil caminho."
Imperatriz estava no caminho de Bernardo Sayão.
(A matéria de hoje é dedicada ao notável Sergio Godinho e à memória do radialista e advogado Moacir Spósito Ribeiro)
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