Do ponto de vista histórico, a maioria das cidades brasileiras progrediu, mas não conseguiu se desenvolver. Alcançar ambos, progresso e desenvolvimento, é acima de tudo um fenômeno que se alicerça em vários fatores, destacando-se o humano e a sua capacidade de olhar à frente sem se intimidar com as adversidades, com os obstáculos e desafios tão comuns nessa jornada épica de desbravadores nativos associados a uma corrente migratória ousada e com visão definida do ir e vir ao longo do percurso que constrói e escreve a própria história. Imperatriz é assim, com seus desafios e adversidades, mas com situações fascinantes que lembram a utopia, e em meio às ilusões, criando uma realidade que passa da crítica à razão pura de sua própria existência; do folclore a inconfessáveis relacionamentos que um dia, quem sabe, no futuro, se fará presente no grande palco de suas ruas, avenidas e praças, testemunhas silenciosas do passado que se entrelaça com o presente para escrever novos capítulos do futuro. Assim é Imperatriz, assim é a sua história.

Wilton Alves

Cada rua ou avenida de Imperatriz tem uma história para contar e ser contada, mas nenhuma é tão fascinante e diferente quanto a Rua Souza Lima, que também vencendo desafios naturais como a Lagoa do Murici, sem qualquer intimidação, traçou a sua abertura como um divisor histórico para o desenvolvimento da cidade onde era possível fluir pequenas indústrias, um grande número de bares e "botecos", também dividindo a região em dois setores distintos: o familiar e o do "pecado" ensejado pelo desejo humano de satisfazer os desejos da carne.
Imperatriz crescia a olhos vistos e novas ruas, a partir do final dos anos 60, se constituíram em novas moradias, o que significa dizer que a cidade tornava-se habitável e atraindo cada vez mais pessoas de todos os estados brasileiros, mas principalmente nordestinos e goianos. No período, Imperatriz era vista como um novo eldorado, o município das oportunidades e a perspectiva de novos e grandes empreendimentos, o que fomentava a construção civil e o surgimento de casas comerciais para atender a uma demanda cada vez mais expressiva, já que a população se multiplicava a cada ano.

Construindo a periferia
No final dos anos 60 e início dos anos 70, enquanto a cidade crescia no sentido Entroncamento, consolidando as mais importantes ruas e avenidas do período, como a Getúlio Vargas, BR 14, Luís Domingues e Benedito Leite como alternativas de investimentos, algumas ruas transversais demarcavam o "fim" do perímetro urbano para o estabelecimento da periferia da cidade, uma região que para os mais céticos nunca teria valor algum, e em especial por se localizar no "coração" da Lagoa do Murici (conhecida como Lagoa da Covap), já que nem mesmo o "bueiro" construído pela Rodobrás na BR 14 havia conseguido drenar tanto brejo, portanto sem perspectiva de crescimento ou valorização.
Esse período, caracterizado por forte corrente migratória, a bem da verdade, acabou atraindo também uma leva impressionante de aventureiros, que sem trabalhar, sonhava fazer fortuna. Ao lado desses aventureiros e com os mesmos objetivos, vieram também as prostitutas, mulheres de vida fácil ou de vida livre, como eram chamadas pela sociedade conservadora.
Em se tratando de uma periferia em formação, nada mais compatível com o ambiente do que a presença da polícia, que teve ali (e existe até os dias de hoje) uma delegacia, ou cadeia pública, que ficou conhecida como o "Casarão da Souza Lima".
No entorno da Delegacia de Polícia surgiram bares que ficaram famosos, e o mais importante deles, em um sobrado existente na esquina da própria Delegacia. Esse sobrado foi demolido e dele não existe nem mesmo uma fotografia. Era o Bar do Dodô. A esquina do Primeiro Distrito Policial, depois dessa demolição, não foi mais a mesma, assim como tem acontecido com o importante acervo arquitetônico da cidade que está desaparecendo porque não há nenhuma iniciativa das autoridades políticas para o tombamento desse patrimônio.

Farra Velha
Compatível também com a periferia de Imperatriz daquele período, o surgimento da ZONA, que acabou ficando conhecida na região como Farra Velha, atraindo mulheres, vigaristas, aventureiros e trabalhadores que se misturavam aos doutores, sem preconceito ou diferenças sociais. Nos bares, como no bar do Dodô ou do Alcino Pereira, embalados por músicas de Nelson Gonçalves, "curtiam os verdadeiros amores clandestinos", que volta e meia eram surpreendidos por tiros de revólver ou vítimas de peixeiras afiadas que "lavavam a honra" dos traídos, se é que na zona alguém poderia ser traído; mas não deixa de ser verdade que em muitos casos os maridos que em casa eram verdadeiros "santos", fossem surpreendidos por esposas ciumentas quando desfrutavam dessa inefável vida dupla proporcionada por prostitutas e aventureiros que chegam de todos os lugares.
Pode até parecer irrelevante, mas a Farra Velha, que resiste ao passar dos anos, faz parte da história de Imperatriz, da Rua Souza Lima, seu folclore ou de cumplicidades que jamais se tornarão públicas. O fato de a Farra Velha existir sem o pudor hipócrita de muitos conservadores de fachada certamente poderia justificar a ausência de preconceitos ou diferenças sociais, pois na antiga Farra Velha todos eram iguais e movidos pelos mesmos desejos, inclusive deixando saudades da Evinha e dos bares do Alcino e do Dodô, os mais conhecidos e frequentados da zona.

Souza Lima
Toda a biografia de Souza Lima é um trabalho do pesquisador e historiador Adalberto Franklin. Em seus dados, Manoel de Souza Lima nasceu em Imperatriz no dia 15 de agosto de 1889, filho de Felipe de Souza Lima e Antônia Sabóia Lima, e isso explica porque ele ficou conhecido, também, por professor Sabóia.
Muito jovem ele foi para a cidade de Boa Vista, atual Tocantinópolis, no Estado do Tocantins, onde além de lecionar, também produzia obras literárias, chegando a publicar três livros.
Manoel de Souza Lima faleceu ainda novo, aos 53 anos de idade, no dia 10 de junho de 1942, em Tocantinópolis. Pela importância de sua obra literária, é patrono da Cadeira número 1 da Academia Goiana de Letras e da Cadeira número 1 da Academia Imperatrizense de Letras.

Superando adversidades
No final dos anos 70 e início dos anos 80, a Rua Souza Lima estava irreconhecível. Velhos casebres foram demolidos e o perímetro urbano da cidade começava a dar mostras sobre o crescimento de Imperatriz. No entorno foram implantadas novas empresas e o desenvolvimento econômico não deixava dúvidas sobre o futuro da cidade como referência de toda a região tocantina. O comércio despontava como uma alternativa extraordinária para contribuir com o desenvolvimento de ruas próximas a ela. A região em pouco tempo deixou de ser caracterizada como periferia para mostrar-se como um divisor histórico nesse processo que entrelaça progresso e desenvolvimento.
Superando adversidades, a Rua Souza Lima tornou-se tão importante que nela foi construído o primeiro prédio com elevador (Bazar Ipanema), e com isso atraindo novos investimentos notadamente na área comercial, fazendo com que Imperatriz tivesse uma abrangência localizada na prestação de serviços que culminaria em sua consolidação também em relação à construção civil, visto que novas e modernas construções foram e continuam sendo edificadas.
Na verdade, é preciso considerar que a Rua Souza Lima é um reflexo da própria cidade, do seu crescimento, sobretudo de sua vocação natural como polo de desenvolvimento de toda a região tocantina, tanto no aspecto comercial quanto na prestação de serviços, haja vista que há uma perfeita integração nos seus aspectos mais importantes, que são progresso e desenvolvimento, levando-se em consideração que obras importantes de infraestrutura foram realizadas e o aspecto urbanístico de hoje em nada lembra a antiga Lagoa do Murici. (A matéria de hoje é dedicada aos notáveis Ary Pinho e Oscar Gundim)