Na quinta-feira, 30, pela manhã, ao apanhar uma encomenda com minha amiga Giselda Castro, ali na Estampa Encadernações, enquanto aguardava ser atendido, algo aguçou meus sentidos: uma prateleira imensa repleta de livros. Até aí, nada demais.  Ocorre que não demorou muito para descobrir que se tratava de publicações da Ética Editora, e na sua maioria esmagadora, de autores nativos; o que não deixa de ser um espanto ao se constatar que há na cidade uma grande quantidade de homens e mulheres que já registraram em livros suas memórias, sentimentos, emoções, bem como os resultados de estudos e pesquisas. Sem dúvida um patrimônio extraordinário e que Imperatriz precisa ter ciência e valorizar.
Por telefone, o dono da Editora Ética, o jornalista e acadêmico Adalberto Franklim, informou que nesses 23 anos de existência sua empresa já produziu e  editou mais de 600 livros e que os projetos não param de chegar.
Da literatura infantil ao livro de memória, dos livros de histórias do Maranhão às dissertações de mestrado e teses de doutorado; de tudo um pouco a Ética já publicou. Somem-se a essas publicações as produções feitas por editoras de outros estados e ainda as chamadas produções realizadas sem um adequado acompanhamento editorial, e teremos um número bem maior de escritores e publicações nascidas nas barrancas do rio Tocantins.
O outro e triste lado dessa história é que o número de leitores não cresce proporcional ao número de escritores. O próprio dono da Editora chegou a comentar que “já disseram que em Imperatriz há mais escritores do que leitores”.
Ao contemplar aquela prateleira cheia de livros de gente daqui, comecei a imaginar e questionar:  quantas inquietações, quantos sentimentos, sonhos;  fantasias, anos de estudo, horas de pesquisa e de sono estão ali depositadas na expectativa de se exibirem para o mundo? São ideias, projetos, sínteses, teses, antíteses, sonhos, sentimentos, emoções, tudo no mesmo lugar, prontinhos para interagir com outras ideias, outros projetos,  sínteses, teses, antíteses, sonhos, sentimentos e emoções. Tenho a certeza de que, se essa interação de fato ocorresse, a cidade e as pessoas passariam por uma transformação inimaginável.
Ao sair daquele momento de contemplação, aproximei-me da prateleira, manuseei alguns exemplares ali expostos e pude sentir que realmente o livro tem alma, a alma do escritor que lhe deu a vida. O problema é que essas almas estão presas e o único jeito de libertá-las é pela leitura dos livros que fechados às encerram. É, de fato, Caetano Veloso tem razão quando diz em uma de suas canções que os livros são objetos transcendentes:
“Tropeçavas nos astros desastrada.
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo”.
Na mesma linha da transcendência do livro, numa crônica recente, o professor da Universidade Federal do Maranhão, Marcos Fábio Belo Matos, consegue  ao seu modo provar como os livros têm vida, como os livros possuem almas e querem se libertar, nem que sejam tragicamente consumidos por cupins.
“Livros ficam velhos…e, quanto mais velhos, melhores. São como o Conselheiro Aires, do último romance do Machado de Assis. Quando mais velhos, dão melhores conselhos. Livros ficam velhos, mas não envelhecem. Quando um livro se percebe envelhecido, ele se suicida. Como? Chamando o seu exército particular de cupins que, benfazejos, dão cabo dele, num rito sumário e indolor. (Marcos Fábio)
Saí dali da Estampa orgulhoso do que vi, e com o compromisso de que voltaria ao local com alguns amigos para libertar algumas daquelas almas e assim não permitir que, pelo menos alguns, não “se suicidem e venham a ser consumidos pelos seus exércitos de cupins”.

*Elson Mesquita de Araújo, jornalista.