*Roberto Wagner

Nesse estado de profunda desordem em que o Brasil se meteu, ou foi metido, há, num ponto, quase uma unanimidade entre os entendidos no assunto, arco que vai de quem realmente sabe das coisas àqueles que imaginam que sabem: o País, se fosse uma vaca, há um bom tempo já estaria no brejo. O pior é que tudo parece conspirar para o agravamento desse quadro escandaloso. Prova disso, por exemplo, é a anarquia que tomou conta de vez da Câmara Federal, que, como se não houvesse limite para a patifaria, persiste sendo presidida por alguém sem a menor qualificação moral para a missão. E olhe que, num eventual impedimento da presidente e do vice, ele assumiria, ainda que provisoriamente, a chefia da República.
A gangrena não atingiu, porém, apenas a Câmara Alta e o Senado, este também dirigido por um parlamentar cujo notório currículo igualmente não o credencia para tão honroso cargo. O Supremo Tribunal Federal, com a heterogênea composição que atualmente apresenta, com um jurista do porte de Teori Zavascki  convivendo lado a lado com alguém do nível de Dias Toffoli, desponta, na média, como um dos mais sofríveis colegiados de sua gloriosa história, se não o mais sofrível.
A Presidência, essa então nem se fala. Os baixíssimos índices de aprovação do atual governo federal são a demonstração, cabal e definitiva, de que o País, inquestionavelmente, está à deriva. Acuada por denúncias e mais denúncias, todas por sinal comprovadas, de gravíssimas irregularidades em sua desastrosa gestão, a presidente Dilma, para continuar governando, aceitou dividir com os partidos que dominam e põem as cartas no Congresso Nacional o poder que, sozinha, exatamente por sua desastrosa gestão, ela já não estava mais conseguindo exercer. A bandalheira, para resumir, tomou conta de todo o alto comando brasileiro, comprometendo por inteiro o desempenho, na cúpula, dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Não há exagero em dizer, enfim, que, institucionalmente, o País sangra na famosa Praça dos Três Poderes.
Mesmo assim... mesmo com tudo a nosso desfavor, seguimos em frente. Com todo esse mar de lama, a nação não se verga. Apesar da recessão, que chegou para valer; apesar do aumento do desemprego, apesar da grana mais curta, os estádios continuam cheios, as praias continuam cheias, as casas noturnas continuam cheias, os restaurantes não fecharam, o comércio trava uma brava e heroica luta contra as adversidades do momento. Mais importante: nenhum sinal de ruptura do pacto social, nenhum sinal (sinal sério) de real golpismo, nenhum sinal de guerra civil ou coisa que o valha.
Não sou ufanista. Aliás, detesto ufanistas. Mas passei a crer que temos, num só espaço geográfico, dois Brasis: um Brasil dos senadores e deputados federais (nem todos, evidentemente), da Presidência e de alguns (alguns!) ministros do STF e um Brasil do povo brasileiro, das milhões de dona Maria e dos milhões de seu José. Um Brasil, digamos assim, institucional,  que outra coisa não faz senão envergonhar esse outro Brasil, o da sofrida gente brasileira.
Eis a conclusão a que chego nesse, como sempre, singelo e despretensioso artigo: o milagre brasileiro, o verdadeiro milagre brasileiro, nada tem a ver com aqueles anos de prosperidade que o País experimentou nos tempos dos presidentes-generais, mas sim com essa pacífica convivência entre a fedentina institucional e a vida que segue. Estou começando a acreditar que Deus é realmente brasileiro. Só pode ser isso.


 Advogado*