Roberto Wagner
Não conheço pessoalmente o ex-juiz federal Sergio Moro, agora também ex-ministro da Justiça. Pela forma como se apresenta em suas aparições públicas e pela sua maneira de se expressar, pode-se apostar que trata-se de pessoa introvertida, pouco expansiva, do tipo que mais ouve do que fala. É quase certo, portanto, que, vendo o rosto e o olhar dele ao término da coletiva em que anunciou, no final da manhã da última sexta-feira, a sua saída do Ministério da Justiça, os que assistiram tal cena, caso tenham lido o extraordinário romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis,lembraram-se dessa passagem (capítulo LVIII): “Calou-se, profundamente abatido, com os olhos no ar, parecendo não ouvir coisa nenhuma, a não ser o eco de seus próprios pensamentos.”
É que, fazendo, naquele momento, uma breve retrospectiva do tempo em que esteve à frente da pasta da Justiça, Moro deve ter ruminado – O que, meu Deus, fiz da minha vida? O que, agora, haverão de estar imaginando aqueles que, confiando em mim, resolveram dar o seu apoio e aval ao governo Bolsonaro?O que deverei fazer, enfim, daqui para frente?
Fato é que, sem ele, o já alquebrado governo Bolsonaro, do qual era justamente Sergio Moro a estrela mais cintilante e respeitada, ficará ainda mais desnorteado. Pelos rumos que tomaram as coisas, muitos estão dizendo que a saída dele deve ser interpretada como o começo do fim para Bolsonaro, mas há quem também esteja dizendo que esse fim simplesmente já chegou. Uma coisa é certa: sem Moro, perdeu o sentido, e fica esvaziado de vez, o compromisso de que o combate à corrupção e aos desmandos administrativos seria a tônica desse governo.
Homem reconhecidamente culto, é possível que Sergio Moro tenha lido Memórias Póstumas de Brás Cubas, já que, afinal, trata-se do nosso mais famoso escritor. Se leu, há de agora, já fora do cargo que decerto feriria de morte sua biografia caso nele permanecesse, ter-se lembrado, aliviado de tão pesado fardo, dessa outra passagem desse soberbo romance machadiano (capítulo XXXVI): “Então considerei que as botas apertadassão uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar.”
Um bom fim de semana a todos e até a próxima.
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