O mundo é, muito, heterogêneo! Principalmente, em relação ao aporte afetivo concedido à criança, em suas diferentes faixas etárias. Nele, há poucas crianças, verdadeiramente, amadas. Hoje, mesmo, uma criança veio a mim, em consulta, com exacerbação febril, há 48 horas. Acompanhada de choro frequente, recusa alimentar, dificuldade pra dormir e escolar. Segundo a mãe:
- Doutor, acho que tudo isso começou desde a hora que seu pai chegou de repente e disse-me:
- Agora, desta vez, vou-me embora para sempre. Assim, o fez!
 - A partir de então, minha filha, quase em desespero, passou a chorar copiosamente. Isso já dura alguns meses. Cedi meus ouvidos aos seus lamentos pela dor cruel do abandono afetivo, duplamente, vivido. Provavelmente nascido do despreparo emocional entre marido e mulher. Cujo companheiro esquecera-se que devemos, antes de um divórcio, lembrar: nunca devemos nos divorciar de nossos filhos. Pois uma atitude impensável, irresponsável e impiedosa é capaz de sepultar o oceano de fantasias existentes no mundo mental de uma criança.
Neste caso, o pai ceifou a golpes de motor serra a árvore de esperança e sonhos existente no mundo fantasmagórico da pequena filha de, apenas, 5 anos e seis meses de vida. A qual se encontrava no auge da dissolução do seu Complexo de Édipo. Não dá para se prever a extensão das consequências nocivas de uma atitude desse porte à vida de uma criança. A referida criança está vivenciando um luto natural. Imagine ter de elaborar um luto devastador, como a perda do pai!
Após minha escuta, pude examiná-la clinicamente. Não apresentava sinais físicos de nenhuma patologia de natureza infecciosa ou metabólica. Exceto um olhar triste e indiferente aos estímulos verbais ou visuais do seu meio. Compatível, naturalmente, com a síndrome de abandono infantil. Apesar da ausência de sinais clínicos preocupantes, em respeito aos protocolos clínicos e pediátricos, por se tratar de um caso febril, solicitei uma abordagem laboratorial. A qual foi inocente.
Há muito sabemos: qualquer trauma afetivo é capaz de comprometer o nosso sistema imunológico, especialmente em se tratando de uma criatura no início da vida orgânica e psíquica. Logo, seria prudente que os pais fossem sempre conscientizados da importância do aporte afetivo dos pais para a saúde de suas crianças. Carência afetiva, quando não mata, deixa sequelas de difícil tratamento.
René Spitz, na primeira metade do Sec. XX, considerou o sofrimento do bebê ao completar o sexto mês, como a Depressão Anaclítica. Relacionada estaria à percepção da ambiguidade entre si e a mãe. Segue-se, a mesma, a Angústia do oitavo mês. Posteriormente, em novos estudos, falaria do Hospitalismo. Entidade clínica, causada pela sensação de abandono, durante o período de hospitalização de uma criança, sem a presença dos familiares. A qual, ao deixar o ambiente doméstico, conviverá com profissionais, que, além de estranhos, a cada momento estão a ministrá-la medicamentos, injetáveis ou por via oral. Além de múltiplas punções venosas para hidratação venosa e coleta de sangue para exames de rotina. Pior, ainda, a cada turno é cuidada por uma equipe diferente.
Em razão, das consequências de lutos incessantes, vivenciados por uma criança, desde o período fetal, que vão das transformações corporais e cognitivas (mentais), afetivas, ao longo de sua vida, é que, na segunda metade da década de 80, Séc. passado, a presença dos pais, durante o período de hospitalização, tornou-se obrigatória nos hospitais escola em nosso País.
Toda literatura pediátrica, fundamentada nos conceitos da psiquiatria infantil, psicanálise infantil e, também, psicologia, tem sido unânime a cerca da importância do aporte afetivo para o bom desenvolvimento da saúde de uma criança. Hoje, cresce, cada vez mais, o número de casos de crianças com distúrbios psicossomáticos.
Como anteriormente dito, o caso clínico, aqui apresentado, não apresentava nenhuma patologia de natureza orgânica. Coube-me encaminhá-la aos cuidados profissionais de um psicanalista infantil. E, para o meu contentamento, após algumas dezenas de sessões psicanalíticas, o pai veio ao seu encontro. Com o seu retorno, a criança recuperou-se de maneira surpreendente. Inclusive, o pai passou a levá-la à psicanalista infantil. Consequentemente, pai e mãe resolveram buscar no divã amenizar as marcas deixadas pelos afetos mal vividos. Provavelmente, em consequência de seus lutos infantis mal elaborados.
Pense nisso antes de destruir a vida de uma criatura em pleno auge da construção dos pilares de sua personalidade e caráter. Época na qual uma palavra tanto pode salvar como matar uma criança. Nunca deveríamos privar nossos filhos dos nossos afetos em tenra idade.  Não somos obrigados a suportar um parceiro ou parceira, quando essa relação não está mais alicerçada numa forte cumplicidade afetiva. Seria um suicídio! Mas nossos filhos precisam muito do nosso olhar, do calor dos nossos abraços, dos nossos beijos, do cheiro do nosso suor, de ouvir nossa voz e muito mais... Seria tão melhor a vida se fôssemos menos egoístas! Ou, melhor:  - Se nos parecêssemos com Jesus de Nazaré - PE. Zezinho!

Imperatriz, 14 de março de 2014.
Médico: Itamar Dias Fernandes
Pediatra
Nota: Fico muito feliz quando consigo olhar um paciente por inteiro!