Psiquiatra Tarso Maziviero: "CAPS de Imperatriz é excelência em estrutura"

Lídio Almeida

Graduado em Psiquiatria em Campinas, São Paulo, e com uma vasta experiência em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o dr. Tarso Maziviero trabalhou em consultórios e hospitais de Santos e São Vicente, cidades do litoral paulista. Depois disso, ganhou o mundo, indo morar no Ceará, onde também trabalhou em CAPS. Logo depois foi para João Pessoa, na Paraíba, e trabalhou em mais oito municípios simultaneamente, incluindo ambulatórios e hospitais, todos ligados ao tratamento da saúde mental. Em seguida, foi para o estado do Amazonas, onde implantou a Saúde Mental em diversos municípios.
Hoje, Maziviero reside em Caraguatatuba, próximo a Ilha Bela. Sua esposa faz pós-graduação em Saúde Mental e tem como tutora uma psicóloga de Imperatriz, que trabalha no CAPS Infantil. Essa foi a ponte para sua vinda para a cidade.
Trabalhando em conjunto com uma experiente profissional da Psiquiatria, especializada em Hospital Psiquiátrico e CAPS, professora da PUC de Campinas, eles cuidam juntos do CAPS III de Imperatriz e situações emergenciais nos demais Centros.

Lídio Almeida: Qual avaliação você pode fazer sobre a Saúde Mental no município de Imperatriz?
Tarso Maziviero: Por ter tido a experiência de ter trabalhado em outros lugares, em outros estados, sei que a Saúde Mental está em construção em nosso país. A legislação que rege o CAPS tem apenas 10 anos. Está em construção, é um modelo, um paradigma completamente diferente que temos de Saúde Mental hoje. Em todos os lugares as dificuldades são imensas para a implantação do sistema de rede de atendimento da Saúde Mental. Tem lugares onde não há nada. Imperatriz está muito à frente nesse sentido.

L.A.: Qual o quadro da Saúde Mental em nossa cidade?
T.M.: Aqui nós já temos o CAPS AD, o CAPS Infantil, o CAPS III e a Residência Terapêutica. Isso aí é um avanço enorme em termos de Saúde Mental, comparando-se com outros lugares que estão muito aquém disso. Só para se ter uma ideia, em Manaus, que tem uma população de 2,5 milhões de habitantes, tinha apenas um CAPS II, que estava passando para CAPS III. Em Imperatriz, há um CAPS III para uma população de 250 mil habitantes. Então, o que se pode concluir é que Imperatriz está muito à frente até mesmo de uma capital de estado. Imperatriz está muito à frente. O sistema ainda está sendo implantado. Evidentemente existem as dificuldades. Entretanto, qualquer um que chega de fora, que trabalha em Saúde Mental, pode perceber que o trabalho em Imperatriz está pronto. Só falta pegar e pedalar. A maneira como o trabalho em Saúde Mental está sendo feito aqui em Imperatriz é muito boa, muito eficaz.

L.A.: Qual a estrutura física da Saúde Mental do município?
T.M.: Temos aqui prédios grandes, temos leitos de acolhimento muito bons. O terreno é fértil. Há leitos sobrando aqui. Cerca de 12 leitos. Imagine você que eu trabalhei em cidades com o mesmo porte de Imperatriz onde haviam apenas dois leitos. Além disso, eu nunca trabalhei num lugar onde houvesse tanto funcionário. Em geral, noutras cidades é sempre uma penúria. É um ou outro enfermeiro, ninguém quer e o pessoal é muito despreparado. Aqui, em Imperatriz, muitos já trabalharam em hospitais e são bem experientes. É claro que a cabeça tem que funcionar com essa nova mentalidade da Saúde Mental. Mas a situação em Imperatriz é excelente. Não tem do que reclamar. Ao contrário, o negócio está muito bem montado. O que é preciso agora, com os profissionais psiquiatras, é fazer o negócio andar de acordo.

L.A.: Quais são as enfermidades mais comuns entre os pacientes de Imperatriz?
T.M.: Na verdade, ainda não fiz um levantamento propriamente dito daquilo que é mais grave aqui no município, mas a minha impressão inicial é que temos aqui uma grande parcela de psicoses crônicas, que é a esquizofrenia. Podemos ter também psicoses agudas, desencadeadas por álcool e drogas. É o caso de uma pessoa que surta, melhora, passa a abstinência, ele volta ao normal. Uma psicose crônica, que é esquizofrenia, tem bastante? Tem sim. Está acima da média? Ainda não sei, porque ainda não fiz esse levantamento, não fiz essa estatística. Os quadros de ansiedade, de depressão, têm aqui? Sim. Tem bastante? Tem também, mas isso é uma tendência mundial. O mundo hoje está deprimido. Isto é uma realidade. Para dizer se Imperatriz tem mais ou se tem menos, é preciso trabalhar um tempo, depois catalogar bem esse tipo de coisa com os prontuários, comparar com a população em geral e fazer um levantamento. Então, não dá para dizer se isso está fora dos padrões que esperamos. No momento entendemos que está perfeitamente dentro dos padrões.

L.A.: Com a experiência que você já teve trabalhando no Nordeste, é possível perceber que a questão cultural influencia muito. Como são tratados esses casos que misturam questão familiar e preconceito social?
T.M.: As doenças mentais e emocionais sempre são carregadas de um preconceito grande. Houve uma mudança muito grande, radical, de 40 a 50 anos atrás. Mas ainda há muita resistência a ser enfrentada. Uma coisa comum que acontecia, inclusive aqui em Imperatriz, e é isso que nós estamos mudando agora. Essa é a dificuldade, esse é o paradigma novo. Antes, fazia-se assim: a pessoa tem um problema mental, não importa o que é, onde vai buscar ajuda? É no hospital psiquiátrico. Pega-se o indivíduo e põe lá dentro. Esta era uma fórmula para tentar lidar com a história, com a situação que a pessoa estava vivendo. Para a família, era um tanto cômodo. Para o paciente, no entanto, era muito ruim. Muitas vezes a coisa era simples, o indivíduo ficava preso, engaiolado e poderia piorar ou, às vezes, no segmento seguinte, era muito ruim, não evitando que a pessoa tivesse novas crises. Quando se fecha um hospital psiquiátrico, como aconteceu aqui em Imperatriz, ainda permanece aquela cultura anterior. O responsável chegava dizendo que trouxe o fulano para internar. Mas aí tem um problema. Aqui é um CAPS, não é um lugar de internação, mas sim um lugar de acolhimento, o que é uma coisa completamente diferente. A pessoa fica aqui para dormir porque eu vou ajustar a dose da medicação, porque ele está um pouco mais agitado em casa, não dá para segurar ou contê-lo, ele não aceita tomar medicação, etc. Aqui, no CAPS, tem um profissional para fazer isso. Mas o tempo que eu posso manter uma pessoa aqui é de, no máximo, 15 dias. Então, aquela coisa de deixar a pessoa ao Deus dará, já acabou. E se não tiver jeito? Nesse caso, eu tenho que dar um jeito. Isso é uma mudança completamente diferente do que as pessoas ainda têm do hospital psiquiátrico que havia anteriormente aqui. O procedimento agora é o seguinte: se a família chegar aqui com um paciente no meio de uma crise para internar, não será possível. Antes, ele será acolhido, ficará até no máximo 15 dias, até dar uma acalmada, e aí ele vai para casa. Ele pode passar o dia no CAPS, mas vai dormir em casa. O leito aqui é aberto, o paciente come bastante e dorme bastante. É uma lógica bem diferente do hospital psiquiátrico, onde o paciente poderia ficar até vários meses ou até mesmo morar. Aqui no CAPS, com 7 a 10 dias, eu já estou pensando em como dar alta para este paciente. Acima de tudo, a gente não deixa o indivíduo perder o vínculo com a família.

L.A.: Dentro do contexto da sociedade, como o paciente recebe o tratamento?
T.M.: Nós aqui trabalhamos para inserir o indivíduo na sociedade. Para nós, ele é parte da sociedade, portador de todos os direitos que tem um cidadão de ir e vir, de andar em transporte público, de ter condições dignas de vida e de moradia, de alimentação, de ser tratado e inclusive de ser acompanhado pelo SUS [Sistema Único de Saúde]. Esse é um direito nosso como brasileiros. Essa é uma das coisas que a gente tem quer lidar com o modelo antigo. Ele funcionava assim: esse cara aqui é doido, tem um problema mental. O que faziam? Levavam ele logo para o hospital. Só que o doido, com problema mental, ele enfarta, tem derrame, tem cólica real. Muitas vezes o indivíduo com problema mental tem dificuldade de expressar adequadamente que ele tem uma dor por cólica. Ele não consegue fazer isso. Colocando esse indivíduo no hospital psiquiátrico, ele era mal assistido. Isso acontecia muito.

L.A.: E agora, como funciona o atendimento no CAPS?
T.M.: Acabei de atender um menino aqui agora. Ele tropeçou numa calçada e fez um corte no joelho dele. Aqui no CAPS não há material de sutura e nenhum outro correlato. Ele vai entrar no SUS. Faço o encaminhamento e ele vai para o pronto socorro fazer a sutura dele lá. Ele vai entrar na rede. O indivíduo ta aqui dentro e ele tem um pico de pressão alta. Eu não tenho remédio para dar para ele não. Todo o cidadão brasileiro vai para o pronto socorro ou para a [Unidade Básica de Saúde] UBS ou para a [Unidade de Pronto Atendimento] UPA. Aqui é a mesma coisa. Pego um carro do CAPS disponível aqui, tem dois ou três, uma fartura de carro disponível. Acho isso excelente, porque eu já trabalhei em lugar que não tinha nada para levar a pessoa. Aqui tem o carro, tem o motorista 24 horas disponível, é uma fartura. Confesso que eu não vi em outro lugar uma situação assim. É um luxo. É justamente o que nós estamos implantando. Problemas clínicos são tratados no SUS. Entretanto, isso causa um pequeno mal estar porque as pessoas ainda não estão acostumados com essa nova lógica. Mas é assim que a legislação manda, é isso que o Ministério da Saúde determina. O CAPS é uma unidade especializada de atendimento psiquiátrico. Se o cara tem um infarto é no hospital. Se ele machuca o pé, é no hospital.

L.A.: E qual é a filosofia de trabalho da Saúde Mental hoje?
T.M.: É esse trabalho. Essa mudança de lógica, de paradigma, que dá um pouco de trabalho, demora um pouco para as pessoas pegarem a ideia geral. Mas o que nós fazemos aqui é Saúde Mental dentro do CAPS. Nós vamos estar assistindo o nosso cliente sempre. Porém, ele tem que fazer parte do SUS. A ideia é inserir esse cidadão na sociedade da qual ele é parte. Antes eles eram tratados como persona non grata. 'Não queremos esse indivíduo na sociedade', então você segrega ele e põe no hospital, fecha. Mas ele é parte da sociedade. A estrutura comporta eles também. A sociedade tem o gênio, mas também tem o cara problema. Isso faz parte da sociedade. Esse indivíduo não pode ser isolado, execrado. Grande parte do nosso trabalho é justamente esse, colocar esse indivíduo dentro da sociedade. Porém a sociedade rejeita um pouco esse indivíduo. É uma coisa histórica. Ele tem uma discreta atenção, uma mixuruca atenção na verdade, mas tem um pouco. Tem uns profissionais que ainda ficam um pouco arredios, mas isso é uma questão de tempo. Em alguns anos, o paciente esquizofrênico vai entrar na UBS e vai ser atendido normalmente, como alguém que está com dor de garganta.

L.A.: Quais são as suas metas para Imperatriz à frente desse sistema psiquiátrico?
T.M.: Eu pretendo fazer o sistema funcionar. Nós tivemos gentilmente a visita da Promotoria. As duas promotoras vieram aqui conversar conosco para saber se nós estávamos afinados com essa proposta do Ministério da Saúde. E nós estamos. O que nós estamos fazendo aqui não é minha ideia, não é ideia da coordenação da Saúde Mental. Isso é do Ministério da Saúde. Quando eu cheguei aqui eu fiz várias cópias do manual do CAPS e da legislação, entreguei para os funcionários e disse a eles: 'olha, nós vamos fazer é isso aqui, aqui tem o beabá'. Eu estou fazendo apenas o que a legislação manda, como tem que funcionar. Isso aqui não é da nossa cabeça, é só ler a legislação. Nós conversamos aqui umas quatro horas com as promotoras e nós falamos a mesma língua. Isso aqui não é nada extemporâneo, uma idéia, uma viagem ou um 'achismo'. Ninguém ta achando nada aqui não. A gente é simples quando vai fazer as coisas. Segue o manual e segue a legislação e isso é muito legal aqui em Imperatriz. (Comunicação)