* Roberto Wagner
Não pode haver erro maior do que supor que as coisas, sejam elas quais forem, acontecem ou hão de acontecer como recomendam as regras ditadas pelo bom senso. Quem imagina que o transcorrer da vida obedece a uma planilha lógica e racional está redondamente enganado. Com frequência, a modorrenta linearidade da vida é atropelada por acontecimentos inusitados, quando não surreais. O que acabou de se ver no caso Marco Aurélio de Mello, ministro do STF, versus Renan Calheiros, presidente do Senado, é um emblemático exemplo disso.
Recapitulando, o Supremo Tribunal Federal, pela vontade, expressa sob a forma de pronunciamento liminar, do aludido ministro, cujo mais reluzente item curricular é o fato de ser primo do ex-presidente, hoje senador, Fernando Color de Mello, decidiu afastar Renan da presidência do Senado. O mundo veio abaixo. Os tambores de guerra rufaram. Deixando de lado a tragédia que vitimou o time da Chapecoense, a imprensa, sempre ávida por eventos desse quilate, tratou de direcionar os seus holofotes para essa barulhenta queda de braço, ficando escancarada, desde logo, sua simpatia pelo ato do audaz ministro.
Octógono montado, arena lotada, as perguntas que pairavam, na plateia, eram: haveria substrato jurídico bastante para o afastamento, em sede liminar, do presidente do Senado? Esse afastamento poderia ser determinado monocraticamente? Teria o Supremo avançado o sinal, pondo em risco nossa jovem e mal nutrida democracia? Teria a nossa mais alta Corte de Justiça, à qual incumbe a sacrossanta missão de guardar a Carta Magna, exorbitado de suas atribuições, já que os poderes da República são, afinal, independentes e entre eles é fundamental que haja convivência harmoniosa?
Como era perfeitamente previsível, Renan reagiu, escudado pelos demais integrantes da Mesa do Senado, recusando-se, até, a receber o oficial de justiça a quem o STF havia incumbido de lhe entregar a ordem para que desocupasse a cadeira de presidente do Senado. A crise, com todos os seus atavios e adereços, estava, enfim, instalada. Urgia, portanto, que algo fosse feito para debelar o incêndio que ameaçava se espalhar, com as consequências que, agora, dá arrepio só de pensar.
O milagre aconteceu. O próprio Supremo, onde tudo começou, em recuo estratégico, correu e pôs água no incêndio, cujas labaredas já se viam de longe. O placar pró-Renan, de seis a três, foi acachapante, cabendo frisar que a própria presidente do STF, ministra Carmem Lúcia, votou em favor da cassação da decisão liminar que havia destronado Renan.
Com isso, como nas melhores comédias, todos terminaram se salvando, exceto, é claro, o ministro Marco Aurélio de Mello, que, dessa maneira, tanto acabou sendo humilhado por Renan, como, pior ainda, ridicularizado pela maioria dos ministros, na medida em que a sua decisão restou reconhecida, para dizer o mínimo, como desconcertante bobagem.
Ouviu-se, nessa histórica sessão, que, não obstante o flagrante desacerto cometido pelo primo de Color, Renan também teria errado ao se recusar a cumprir tal estapafúrdia decisão. Pura encenação, ou, como dizem os franceses, autêntico “mis em scène”, já que esse puxão de orelha dado em Renan para outra coisa não serviu senão para mitigar, ao menos em parte, o enxovalhamento a que Marco Aurélio de Melo fora impiedosamente submetido.
É isso aí, caríssimos leitores. Mais uma vez, para encurtar a conversa, quem, de verdade, acabou com a pecha de otários fomos nós: eu, vocês, o povo brasileiro. Até quando isso vai durar?
Advogado*
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