Existem pessoas que só conseguem se expressar medindo o peso de cada palavra que pronunciam. A impressão que se tem é que, por alguma razão, faltam-lhes espontaneidade e naturalidade, pelo menos na medida desejada. É como se as palavras, mais do que apenas significações, fossem dotadas de um poder único e insubstituível, sem o qual essas pessoas ficariam inexoravelmente expostas a mal-entendidos, quando não a coisa ainda pior. O atual ministro da Justiça Sergio Moro é uma dessas pessoas.

Culto, erudito, bem articulado, dono de uma voz que, ao final de cada frase, costuma apresentar ligeira alteração, semelhante, por exemplo, à conhecida alteração de tom que atinge a voz dos rapazes quando ingressam na puberdade, o ministro, a despeito das ácidas críticas que vem recebendo nos últimos dias, segue mantendo o hábito de se expressar sem atropelos verbais e sem variações na intensidade com que responde ao que lhe é indagado, jamais interrompendo, por estratégia ou educação, quem lhe dirige uma pergunta, evitando sabiamente, assim, responder ao que não lhe foi perquirido. É um interlocutor, enfim, que fala como se saboreasse e mastigasse cada palavra.

Na última quarta-feira, dia 19 de junho, esteve no Senado, onde, a respeito das mensagens telefônicas por ele trocadas com procuradores da força-tarefa da Lava Jato, cujo conteúdo vem sendo divulgado por um site de notícias, foi sabatinado ao longo de nove horas, ora de forma subserviente, sobretudo quando quem lhe pedia esclarecimentos era um senador governista, ora de maneira quase impiedosa, nas ocasiões em que quem o fazia era alguém da oposição. Nas duas situações, manteve-se calmo, seguro, paciente, mesmo porque sabia que aquele era um momento decisivo para que dissipasse, com explicações realmente convincentes, as dúvidas que hoje pairam sobre a sua imparcialidade ao tempo em que dava expediente na 13ª Vara Federal de Curitiba.

A certa altura, veio, finalmente, o ato falho, o único, por sinal, que teve a infelicidade de cometer no decorrer do extenuante período em que ali esteve. Negando, pela enésima vez, que tivesse praticado alguma irregularidade, afirmou que nas conversas divulgadas que manteve com os procuradores, caso sejam realmente autênticas, é fácil ver que não há uma “convergência absoluta” entre a sua posição e a deles

Atente-se bem para a expressão utilizada pelo ministro, ele que, repita-se, pesa cuidadosamente cada palavra que lhe sai da boca: “convergência absoluta”. É perfeitamente legítimo deduzir, então, que, entre a posição dele e a dos procuradores, teria ocorrido uma convergência, digamos, relativa, parcial.

Informa-nos o Google que convergir, entre outras coisas, significa tender, agregar-se, agrupar-se, combinar, assumir, concordar, consentir, topar, etc. Fiquemos com o sinônimo ‘combinar’. Aceitemos, portanto, caríssimas e caríssimos leitores, para melhor interpretarmos a explicação oferecida pelo ministro, que aqueles cujas posições são convergentes em termos absolutos, são aqueles cujas posições combinam em tudo, e que aqueles cujos posicionamentos convergem de maneira apenas relativa, parcial, são aqueles que, é claro, não combinam em tudo.

Era exatamente aqui onde queríamos chegar nesse, como sempre, humilde e despretensioso artigo: o fato de, ao fazer tal surpreendente revelação, o ex-juiz federal Sergio Fernando Moro, agora ministro da Justiça, ter deixado subentendido que, em alguns casos (quais?), combinou certas coisas com os procuradores da Lava Jato, ocultando, porém, o que, exatamente, teriam combinado fazer, e muito menos os nomes daqueles que vieram a sofrer as consequências daquilo que combinaram fazer, como se aos juízes e procuradores fosse permitido decidir, em conjunto e por meio de mensagens telefônicas, a pena a ser aplicada a quem acha-se acusado de ter cometido algum delito.

Em meu artigo anterior, publicado por O PROGRESSO na edição do último fim de semana, socorri-me em Machado de Assis, a quem retorno mais uma vez. No extraordinário romance “A mão e a luva”, que estou tendo o prazer de ler novamente, título, aliás, que resolvi dar ao presente artigo, encontra-se, no Capítulo X, essa preciosidade: “(...) em que proporção estavam nela combinados o sentimento e a razão, as tendências da alma e os cálculos da vida.” Para bom entendedor, essa aguda observação machadiana da natureza humana basta.

Este artigo é carinhosamente dedicado ao ilustre advogado e escritor Sálvio Dino, um dos grandes intelectuais do Maranhão, que completou, neste mês, com invejável viço, 87 anos de idade. Parabéns!

*Roberto Wagner é advogado