Algumas pessoas são intensas como um Tango Argentino. Para essas pessoas, existir é um ato de força, de pegada. Elas não fazem as coisas para serem mais uma. Tudo delas é muito, e pouco é nada. E assim foi meu avô.
Foi um ritmo sem igual. Foi a mais bela das histórias que poderiam ser contadas, ou cantadas.
Romântico como só ele. Era amor e dor. O tango é tudo isso. Meu avô também foi.
Hoje tem o último show.
A orquestra já entrou no salão. Todos estão sentados. O violinista está pronto. O baixista bebe um conhaque. Todos aguardam a última dança.
Mas esse Tango é diferente. É sem igual. O cantor é ao mesmo tempo dançarino.
Não me perguntem como ele faz isso. Eu nunca entendi. Você nunca entenderá.
E então o cantor-dançarino chega. Ele é o mais chique de todos. Nunca aceitou que fosse diferente. Ele pede para amiga da banda servir um cálice de Vinho do Porto. Ele não pode começar sem esse cálice. Ele bebe tudo num gole só. Bate o cálice na mesa e diz que quer mais um. Brinca que o cálice é muito pequeno - precisa de um maior.
Ele arruma sua gravata. Passa o pente em seus cabelos. A plateia sabe que aquela é a última vez que ele cantará, mas ninguém ali se sente triste. O tango não deve durar para sempre. Ele só é bonito quando tocado uma única vez.
Aprenda: ele só é bonito quando tocado uma única vez.
Ele procura a donzela que ele guiará. Não a encontra. Teria ela faltado ao seu último show?! Como poderia?!
Aguardou um pouco mais. A banda tocou umas três músicas. A ordem era esperar a donzela.
"É, parece que ela não veio", pensou ele. Então, vou começar assim mesmo.
Mas ele decide tomar mais um cálice. Afinal, aquelas taças eram tão pequenas... Ele precisava de uma maior.
E nesse momento, no último gole, ele a vê. Ela chega linda. Atrasada, pois ela também não aceitaria que não fosse a mais bela.
Ele treme. Ela é o amor da vida dele. Todos no salão sabiam disso.
Então, a banda toca. Começam os primeiros versos do que seria seu último show.
O cantor-dançarino segura a donzela. Encosta seu rosto no dela. Passa seu braço ao redor e diz que vai guiá-la.
Mas ela diz que não. Ele se assusta. Ele não entende.
A Donzela diz que ela é quem veio pra guiá-lo. Pede pra que ele se despeça da plateia. É hora daquele tango acabar.
Ele não se despede. Ele apenas os olha. Todos entendem. Ele não precisava dizer adeus.
A banda para e ele sorri para cada um que ali está. A donzela o chama, "Vamos, Ribamar! Está na hora!". Ele olha para ela, olha uma última vez para o público e fala: "Estou indo Didi!".
Acabou o Tango.
Gardel cantou o mais belo dos Tangos Argentinos.
Mas foram meus avós que dançaram o mais intenso.
Wdson Bruno Carvalho Cunha, 11 de fevereiro de 2014.
Publicado em Cidade na Edição Nº 14949
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