Elson Araújo

Nada mais  benéfico  na nossa jovem democracia do que a liberdade de expor o pensamento por meio das suas mais diversas formas de manifestação.  Na última quarta-feira, 10, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) , por unanimidade  puseram à termo a necessidade de autorização prévia de uma pessoa biografada para a publicação de obras sobre sua vida. Para alguns, mais uma das centenas de decisões proferidas por aquela corte suprema,  para outros,  nos quais me incluo, a consagração de um dos mais importantes princípios da nossa Carta Maior  como bem pontuou o ministro Ricardo Lewandowski ao justificar seu voto:
“ É impossível que se censure ou exija autorização prévia de biografias. A Corte hoje reafirma a mais plena liberdade de expressão artística, científica e literária desde que não se ofendam outros direitos constitucionais dos biografados”.
Sem dúvida uma vitória da  prerrogativa da livre manifestação do pensamento,  contudo,  aquela corte  não deixou de ressalvar que tal liberdade não implica na liberação das ofensas, das injurias, das calunias, ou  quaisquer atentado contra a honra de  quem quer que seja   conduta típica que pode levar o infrator a reparar com indenizações definidas pelo Judiciário, o ofendido.
Essa decisão  da semana passada do STF,  sem duvida reforça ainda mais a liberdade de expressão.  Liberdade  essas essa  que tem se potencializada  a cada dia  com a explosão do fenômeno das redes sociais. Com 143 caracteres, ou menos, hoje é possível resumir para o mundo aquilo que se pensa sobre qualquer assunto. Dependendo do que e de quem seja o autor da frase, a resposta, positiva ou negativa, pode ser imediata e provocar, ou não, uma “revolução” e mudar os rumos estabelecidos. Tem sido assim no Brasil e nos países livres e nos quase livres.
O pensamento pode ser lido e ignorado, aplaudido ou criticado, agressivo ou amável, ofensivo, ou não, mas o autor hoje, no Brasil, conta com o direito de exercê-lo mesmo com o risco de vir a responder judicialmente por ele como está escrito lá na nossa Constituição.
Até pouco tempo a prerrogativa de dizer livremente o que bem se entendia era impensável, como bem lembrou recentemente num evento acadêmico sobre os 50 anos do golpe militar no Brasil o juiz de direito Marlon Jacinto Reis. Pensar diferente do poder estabelecido poderia custar a vida de uma pessoa, ressaltou o magistrado ao exaltar a liberdade que o cidadão brasileiro tem de poder se expressar livremente sem censura ou do risco de vir a ser punido até com a morte, como era comum durante os 21 anos da Ditadura Militar. Talvez não tivesse sido diferente caso tratasse de uma ditadura de esquerda.
A história comprova a cada dia que ditadura, seja de direita ou esquerda, não serve para a humanidade. No Brasil de hoje, por incrível que possa ser, o patrulhamento sobre o que se diz não vem, pelo menos oficialmente, do aparelho estatal, mas de determinados grupos, ou indivíduos que ao discordar de um, ou outro ponto de vista, não partem para o embate de ideias sendo a opção pela calúnia, injúria e difamação.
Se há um pensamento comum e convergente, surgem os deuses, se aparece um pensamento divergente, rapidamente  os deuses são reduzidos a demônios. Não há respeito pelo que o outro pensa ou defende. A regra é agredir para desqualificar.
O poeta e ensaísta francês Fraçois Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido por Voltaire, no seu tempo, já se preocupava com o tema da liberdade de expressão. Teria sido dele, embora haja controvérsias, a tão decantada frase “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. Dúvida quanto à autoria à parte, tal citação, tornou-se ao longo dos anos lema da luta pela liberdade de expressão.
O mundo mudou, está mais rápido, mais ágil no veicular das notícias, teorias, teses, verdades prontas, mentiras; projetos e ideologias, o que fatalmente obriga ao surgimento de um cidadão cada vez mais crítico e capaz de filtrar o que vê, ouve e o que lê nesse universo virtual para não se deixar contaminar por ideologias contrárias aos ideais democráticos.
Numa democracia é preciso que as pessoas tenham ao seu dispor e cultivem a pluralidade de ideias e pensamentos, e delas tirem o proveito necessário para melhorar a vida em sociedade. Não se pode correr o risco do fortalecimento do pensamento único, pois é assim que surgem os déspotas, os tiranos, os ditadores capazes de atrocidades para se imortalizarem no poder. Numa democracia fortalecida pela liberdade da livre manifestação do pensamento e pelo cultivo da pluralidade de ideias, o mal certamente terá mais dificuldade de prosperar.