Na coluna desta semana vou fugir um pouco dos temas pesados como violência, presídios e rebeliões, chuva, enchente e enveredar, ou pelo menos tentar enveredar, por uma seara, digamos que mais leve. Sigamos, então.
Aos domingos, leio de cabo a rabo as opiniões dos colaboradores permanentes do “Caderno Extra” de O PROGRESSO. Cada um, ao seu estilo, tem sempre algo importante a dizer. É possível viajar nas reminiscências do Dr. Viegas, nas atualidades do Phelippe Duarte, nas “aventuras” do Nelson Bandeira, nas idas e vindas à Grécia antiga de Ricardo Coelho e na simplicidade do professor Carlos Brito, só para citar alguns.
Além dos colaboradores de cadeira cativa, O PROGRESSO, e por isso merece um “salve” de toda a cidade, abre o espaço aos domingos para a Academia Imperatrizense de Letras. Ali, o editor do Espaço das Letras, o renomado escritor Livaldo Fregona, abre caminho tanto para os acadêmicos quanto para amadores, como eu, dando a oportunidade para que o que antes ficava oculto nas CPUS, as crônicas, contos, poesias e ensaios, seja tornado público, algo que não tem preço. Com essa abertura, O PROGRESSO segue na construção firme de sua história, ofertando, além do noticiário factual, a possibilidade de construção do conhecimento por meio dos muitos escritos reflexivos por ele veiculados.
O arremedo de ensaio que se segue é reflexo do que costumo ler nas edições dominicais de O PROGRESSO, que cumpre também a grata missão de estimular a busca pela construção e veiculação do conhecimento.
Conhece-te
Ao longo da vida são muitos os desafios que, dependendo das circunstâncias, o homem tem de enfrentar. Em cada um deles, se souber aproveitar, há sempre uma boa lição, um bom aprendizado.
O maior de todos esses desafios, sem dúvida, é o autoconhecimento. Alguns iluminados da humanidade tentam nos ensinar isso há milhares de anos.
Sócrates pregava: conhece-te a ti mesmo e conhecerás a verdade de todas as coisas. O mestre Jesus, milênios adiante, com outras palavras, ratificou o que o grego disse ao proclamar: Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.
Desde que o homem apareceu sobre a terra se deparou com o desafio do autoconhecimento, e tem procurado exaustivamente por aquilo que chamamos de Verdade. Está presente no DNA da humanidade; em todas as nações, tribos, castas, esse indicativo do ser humano: saber quem é. Uma necessidade, que embora congênita, é por vezes desprezada.
Assim como temos a necessidade de conhecer e entender o mundo à nossa volta, a lidar, a aprender e compreendê-lo; a conviver com ele, a enfrentar seus desafios, há também a necessidade de se conhecer, aprender, compreender e lidar com o mundo interior, enfim de nos interpretar. Precisamos de um conceito, de um significado. Seria esse o começo do caminho?
O sábio indiano Jiddu Crisnamurti, nascido em 1895, que me foi apresentado, por meio de seus escritos pelo filósofo imperatrizense e acadêmico Tasso Assunção, diz que sim.
Para ele, o reconhecimento e a percepção do que somos já é o começo da sabedoria, o começo da compreensão, que nos liberta do tempo.
Sobre o autoconhecimento, Krishnamurti diz que “enquanto eu não compreender a mim mesmo, em minhas relações convosco, sou eu a causa do caos, da miséria, da destruição, do medo, da brutalidade”.
Sobre o mesmo tema ele ainda escreve “se vós e eu não nos compreendemos a nós mesmos, como podemos, com nossa ação, promover uma mudança na sociedade, na vida, na vida de relação, em qualquer coisa que fazemos? Quanto mais uma pessoa se conhece, tanto mais clareza existe. O autoconhecimento é infinito; nunca se chega a um remate, nunca se chega a uma conclusão”.
Como bem diz Assunção “Krishnamurti não proporciona uma leitura convencional, visto que não constitui ficção para entreter nem informação para assimilar, mas um exercício de reflexão, de autoconhecimento”.
Diria eu, Krishnamurti é uma leitura que inquieta e que provoca a alma, já que o que se lê é o resultado de profundas reflexões sobre a existência, e a presença do homem sobre a Terra.
Sobre o tema do autoconhecimento, o filósofo brasileiro Humberto Rohden (1893- 1981), portanto contemporâneo do mestre Krishnamurti, em sua obra O Pensamento Filosófico da Antiguidade, escreve sobre o que ele chama a alma de toda filosofia e religião:
“Não pode o homem conhecer o mundo ao redor dele, nem o mundo acima dele, sem primeiro conhecer o mundo dentro dele, uma vez que o instrumento-chave que ele emprega para qualquer conhecimento é o seu próprio Eu”.
Para Rohden, “o ser do homem é eterno, o seu existir é temporário. Como ser divino, o homem é eterno e imortal; como um fenômeno humano, o homem é temporário e mortal.
Concordo com o filósofo brasileiro. Acredito na imortalidade da essência humana e que na verdade somos a soma de tudo que há no universo. Um tudo que muitas vezes se resume num nada ou um tudo e um nada ao mesmo tempo. Por essência somos um milagre, a soma de vários deles.
Os gregos há cinco mil anos a.C já se preocupavam com autoconhecimento. Desconfio que na verdade desde o momento em que o homem se tornou um ser pensante começou a se questionar: “Quem sou, de onde vim, pra onde vou?”
Perguntas que permanecem em aberto esperando por quem tenha a ousadia de tentar buscar as respostas.
* Elson Mesquita de Araújo, jornalista.
Publicado em Cidade na Edição Nº 14942
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