João Rodrigues
Realizar um sonho de criança, conhecer as experiências bem sucedidas dos americanos sobre preservação do meio ambiente e a migração das baleias cinzentas numa aventura diária estão entre os motivos que levaram a oceanógrafa Bruna Maria Lima Martins, 29 anos, a realizar uma trilha de bike pela costa do Oceano Pacífico - da cidade de Astoria, no Estado de Óregon, a San Diego, na Califórnia -, nos Estados Unidos.
A aventura realizada por Bruna Maria, natural de Imperatriz, segunda maior cidade do Maranhão, ganhou o nome de “Sterna Project” e, também, tem um sentido de fé, uma vez que ela acredita ter recebido um sinal divino para continuar sua missão ambiental.
Formada em Oceanografia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e com mestrado em Ecologia e Conservação da Biodiversidade, Bruna Maria passou quase dez anos desenvolvendo trabalhos de conservação na costa amazônica. No período, realizou atividades pela conservação da vida marinha com orientações às comunidades pesqueiras sobre pesca sustentável, conservação de animais de manguezais e educação ambiental em geral.
“Chegou o momento que comecei a sentir que eu estava dando tanto amor que eu estava ficando cansada e que era o momento de recarregar as energias para continuar fazendo o que eu gosto de fazer na conservação da Amazônia e veio a ideia da trilha”, explicou a especialista em estudo da vida marinha.
Após várias pesquisas na internet e informações de amigos, Bruna Maria começou a montar seu plano que, logo de cara, incluiu a Califórnia por ser o ponto de partida dos primeiros movimentos de conservação ambiental no mundo e avançado nas questões das liberdades individuais.
Com o plano pronto, era preciso dinheiro para bancar a viagem. Bruna tinha acabado de encerrar seu projeto numa Ong ligada à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Na prática, estava sem trabalho. O convite de ex-professores da UFPA para expedições científicas no Oceano Atlântico acabou sendo a saída para juntar dinheiro e amadurecer o projeto.
“Meu trabalho nessa expedição era observar aves e mamíferos, que incluem baleias e golfinhos nas costa amazônica de São Luís às Guianas. Então pensei: ‘Nossa, esse trabalho vai me proporcionar um contato com a natureza, que é minha profissão, e vou juntar grana para a viagem também’, e assim fiz”, relembrou. Foram cinco expedições que, também, serviram de preparação física e psicológica para a aventura em terras do Tio San.
Durante a maior parte do tempo em que esteve nas expedições, Bruna Maria ficou sozinha e aprendeu ou reaprendeu a conviver com ela própria. Eram muitas as opções, mas numa dessas viagens pelo mar ela definiu que faria a trilha de bicicleta por uma razão simples: “Economizar dinheiro, gerar menos carbono, o que vai de muito em acordo ao meu ideal de vida e o meu próprio cotidiano, sair da rotina e conhecer os parques nacionais e estaduais americanos”.
Projeto recebe inspiração divina - O “Sterna Project” recebeu este nome em uma homenagem ao “Trinta Reis”, uma ave do gênero “sterna”. Bruna lembrou que mesmo com a preparação intensa, ainda, pairavam dúvidas sobre a execução ou não do projeto até receber um sinal dos céus que foi decisivo.
Muito visto nas expedições, o pequeno pássaro (100 gramas) faz anualmente a migração do hemisfério norte para o hemisfério sul e numa das expedições um deles pousou no navio, bem na frente da jovem oceanógrafa.
“Faltava uma semana para eu pegar o voo de Belém para São Paulo e Los Angeles e eu perguntei: ‘estou no caminho certo, é realmente isso, meu Deus?’. Naquele momento, a ave pousou no navio, bem na minha frente, para descansar de sua longa viagem e foi um sinal para continuar com o projeto”, avaliou. “Nossa, Bruna, é sua hora de migrar também”, raciocinou a jovem defensora do meio ambiente referindo-se a ela própria na terceira pessoa.
A logomarca do projeto, produzida por Bruna e uma colega de Manaus (AM), chamada Karoline, apresenta uma jovem numa bicicleta de biquíni, mas sem a parte de cima, o que representa a liberdade feminina. Bruna mora em Belém do Pará, uma das cidades brasileiras com grande índice de casos de feminicídios.
A trilha da Costa do Pacífico - Com alimentos apenas para um dia e a barraca, a maranhense iniciou a trilha de bike no dia 18 de outubro, na cidade de Astoria, no Estado de Óregon com o plano de percorrer, em dois meses, toda a Costa do Pacífico, começando em San Francisco. Dois imprevistos acabaram por alterar o plano original. O primeiro foi a chegada do inverno e o segundo, os incêndios.
Devido ao inverno, teve de alterar a rota, mas devido às queimadas acabou tendo de interromper a trilha e se deslocar para outra cidade até o tempo melhorar. Há menos de uma semana, ela retomou o percurso, que é movido por novidades e surpresas.
“Estou vivendo as conexões, a natureza, sentindo meu coração. Se sentir que é a hora de parar, eu paro. Às vezes eu pedalo 80 km e às vezes menos. Teve um dia que pedalei só 15 milhas, e eu estou vendo e sentindo meu ritmo, conhecendo os parques estaduais, as muitas coisas legais de troca, tenho tentado compartilhar isso com as pessoas”, revelou.
O pai da jovem oceanógrafa, o técnico em telecomunicações aposentado da Embratel, João Maurício Martins, e toda a família acompanham atentamente a aventura de Bruna no estrangeiro. Maurício é só orgulho e cuidados. Para tentar compensar a distância, todas as noites ele e a família mantêm contato com Bruna pela internet.
“Eu me orgulho muito em ver este trabalho que Bruna está desenvolvendo. Ela sempre teve a vida ligada à preservação”, destacou o pai. Maurício fez questão de dizer que teve cinco filhos maravilhosos.
Segundo Maurício, Bruna pretende, nessa viagem, definir sobre onde vai fazer seu curso de doutorado em meio ambiente, mas dentre as muitas surpresas da viagem está o encontro inesperado que ela teve numa padaria com um reitor de uma faculdade nos Estados Unidos.
No perfil que leva o nome do projeto no Instagram, Bruna vem relatando a cada parada sobre a nova experiência, os encontros com pessoas que pedem para fazer fotos com ela, outras que a convidam para sua casa, entre outras surpresas.
Como a trilha da Costa do Pacífico é conhecida, há parques ambientais que possuem locais para abrigar andarilhos e ciclistas, mas há uma taxa para isso, assim como uma plataforma online gratuita para apoio a hospedagem de ciclistas denominada Warmshower. Melhor mesmo para o bolso e para reforçar o ciclo de amizades é quando voluntários convidam esses viajantes para se hospedar em suas casas, como já aconteceu com Bruna Maria, que não escondeu sua satisfação ao falar sobre o assunto para esta reportagem.
“Então, o Sterna Project virou tudo isso que sou eu, essa luta, esse desejo pela liberdade e por estar mais em contato com a natureza”, concluiu Bruna, que está aproveitando cada minuto da viagem e tem apenas uma certeza na vida: vai continuar sendo uma defensora do meio ambiente.
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