Por Mari Marconccine
Para conversar com nosso personagem, atravessamos o rio Tocantins. Em uma tarde de sábado, de sol escaldante e um céu muito azul, chegamos lá, do outro lado, de balsa. Ele já havia dito que seria só perguntar pela casa do Zeca, que todos saberiam informar. Dois meninos correram em nossa direção epor dois reais (de agrado, para cada um), caminharam contentes à nossa frente, barranco acima. E lá estava Zeca, em frente ao portão, nos esperando. Da porta da casa, se estende uma visão privilegiada, de quem possui o Tocantins até no próprio nome. Mas, segundo nos contou, o Tocantins do seu nome era uma referência ao estado. Ele era chamado de Zequinha do Tocantins. Só depois de um tempo assumiu o nome Tocantins, como uma homenagem deliberada ao rio que corta a cidade e de ele onde vê o sol nascer, todos os dias.
Seu filho mais velho, Moara, estava na casa, visitando o pai; o menorzinho Raicam passeava com a mãe e chegou ao final, exigindo atenção.Acomodados no quintal da casa, em meio às árvores frutíferas, galinhas, pássarose acompanhados de longe pelo cachorro Feroz (que de bravo só tem o nome), Zeca sentou em uma rede e começamos nossa conversa.O cantor, escritor, compositor e atorconta que despertou para o mundo artístico por volta dos 18 anos. Ele costumava assistir às peças de um grupo de teatro chamado Pritei. Foi se envolvendo e logo começou também a atuar. A história da musicalidade veio a seguir. Ao conhecer Neném Bragança, montou o grupo Trempe de Barro, que ainda tinha outro componente, o Dudu. O grupo tocou e cantou durante décadas, depois se desfez. E Zeca, sozinho,continuou sua caminhada.
Estrada afora com Neném
Não satisfeito, enveredou pelo mundo dos festivais de música, Brasil afora. Entre um festival e outro, ia escrevendo textos de teatro (quatro no total), gravando discos (quatro), e editando seuprimeiro livroCalumbi. Foram muitas as premiações nos festivais. Logo no primeiro deles (Festival Aberto Estância do Recreio -Faber), aqui em Imperatriz, em 1980, Zeca e Neném ganharam os dois primeiros lugares. Neném Bragança, o inseparável companheiro, era o intérprete oficial das músicas de Zeca e se tornou o maior vencedor de festivais do Maranhão. Ganhou tantos que ficou conhecido como "Papa Festival". Essa parceria com Neném na vida, na música e na arte, durou 35 anos.
"Não vejo ninguém produzindo arte em Imperatriz, ninguém."
Com esta frase, Zeca começa a responder à tradicional pergunta sobre a arte ecultura da cidade. Ele ri e confessa que tem o hábito de fugir dela (da pergunta). Como coordenador de cultura de Imperatriz, afirmou, com certa indignação, que acidade empobreceu culturalmente e que a única coisa que evoluiu foram as quadrilhas, citando, por exemplo, grandes artistas locais da músicae do teatro que foram embora. Ao afirmar que em Imperatriz não existe arte, Zeca explicou que o que entende como arte é o processo de criação.
Zeca Tocantins integra a Academia Imperatrizense de Letras, desde 1994. Sua primeira produção literária, em 1990,Calumbi, foimimeografada. Ele mesmo "montou" o livro. Mas foi salvo por um amigo editor, que produziu a obra. Ele explica que Calumbi é uma árvore que cresce às margens do rio. Depois vieram Moinho (1992); Dez contos de Pulinário (1994); Gotas de sol (1996); Caminhos de nós (1998); Banzeiros (2001); Colhedor de manhãs (2003); Pequeno ensaio sobre cultura, criação e arte (2006); Dialética do silêncio (2007); O outro lado da ponte (2010); e Curandeiras (2012). São livros variados, nos quais encontramos poesias, crônicas, contos e ensaios. Agora, o 12º livro está a caminho, Último trem, e, segundo Zeca, também o seu último livro.Ele pretende continuar produzindo, mas a ideia é adicionar as novas produções aos livros já prontos, sem lançar um novo título.
Arte e Cidadania nas Escolas
De acordo com Zeca, é preciso envolver as crianças em um processo cultural, e que deve começar logo cedo, na escola. "Nós nos perdemos na estrada, nós somos artistas intuitivos. Uma cidade do tamanho de Imperatriz não tem uma escola de música pra envolver as crianças." Ele relatou ainda, com tristeza, as perdas culturais que a cidade vem sofrendo, como a extinção de uma banda musical e os desfiles de escolas de samba. "A gente perde; porque só arrota arte quem come arte. Se você não vive da arte, não se envolve com arte, não tem como falar de arte." O Projeto Arte e Cidadania nas Escolas, de sua autoria, durou cinco anos e também acabou. "Pra mim foi ruim, pois era uma coisa que a gente fazia com muito prazer. Quando acabou o projeto, eu morri também. Eu não entendo que educação é essa, onde se desconhece o produto da sua própria terra."
"Essa coisa de cultura é lenta, ela é doída. Ninguém muda; as pessoas não mudam."
O artista que encanta se mostraum pouco desencantando com a falta de público nos eventos culturais da cidade. Lamenta que um teatro que tenha 166 lugares nunca esteja lotado, assim como as noites delançamentos de livros, que faz Zeca sentir-seenvergonhado. "É entristecedor, você olha pra um lado, pra outro e não vê ninguém.Além de perdermos os artistas, perdemos também a plateia."
Compromisso com a cidade
Apesar das dificuldades e insatisfações, Zeca tem o desejo de fazer ainda mais, porque acredita que deve existir um compromisso entre o artista e a sua cidade. Segundo ele, é necessário também o compromisso do poder público. "A cultura, é a cidade que tem que promover, não é uma coisa do artista. O artista faz sua arte, ele pode fazer isso trancado em um quarto ou onde quiser, mas cultura não, cultura é um todo, é o que a cidade vive."Zeca defende a criação de um grande centro cultural (o local seria o prédio abandonado do BairroCaema) que estimule principalmente as crianças.
"Nosso conceito de arte em Imperatriz é muito pequeno."
Zeca não acredita que uma cidade tenha necessidade de uma cultura própria e defende que o multiculturalismo, característico de Imperatrizé muito mais enriquecedor. "Porque o que chega aqui, já vem pronto, vem através do mercado, não temos fazedores aqui. Falta apoio, uma política que garanta condições para que esse nosso fazedor não precise sair daqui." Para ele, é imprescindível que as pessoas que vivem na cidade tenham uma visão diferente, e que, mesmo não tendo nascido nela, a adotemcomo sua. "Não adianta você ter pessoas que moram aqui há 10, 20, 30, 40 anos e dizerem que não são daqui. Isso acontece porque não existiram esses elementos culturais, que fizessem comque ele compreendesse que é sim daqui, que a cidade é nossa."
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