Roberto Wagner
Vamos direto aos fatos. Dias atrás, em resposta às insinuações de que poderia ser demitido caso insistisse em não se afinar ao pensamento e às orientações palacianas no que se refere ao enfrentamento da pandemia provocada pelo COVID-19, o ministro da Saúde terminou foi recebendo, publicamente, apoio de várias autoridades, algumas, inclusive, do próprio governo, e, assim, permanecido no cargo, decisão essa que restou anunciada à nação, conforme se viu, não pelo presidente, mas pelo vice. Há poucos dias, assistiu-se a algo ainda mais revelador: o ministro Alexandre de Moraes (está-se falando, veja-se bem, de um ministro, não do Plenário do STF) sentiu-se à vontade para determinar, nada menos, que o presidente se abstenha de tomar qualquer medida que vá de encontro àquilo que está sendo implementado, no combate a tal pandemia, pelo ministro da Saúde (subordinado, não esqueçamos, a Bolsonaro) e pelos governos estaduais, distrital e municipais.
Alguns dirão que tais coisas são passíveis de acontecer em qualquer país com regime democrático; que o ministro Mandetta, em momento algum, teria desafiado, concretamente, a autoridade do presidente; que teria se limitando, tão somente, a defender posições que guardam harmonia com o que se está fazendo, nesse mesmo combate, em outros países; que o dito ministro do Supremo, por sua vez, nada mais teria feito senão buscado evitar que, nesse delicado momento da vida nacional, eventuais equívocos palacianos sejam cometidos. Balela. O que se está observando é um lento e gradual enfraquecimento político do presidente, enfraquecimento esse, por enquanto, reconheça-se, apenas discreto, mas já claramente perceptível.
Uma possível explicação para esse incipiente e inesperado enfraquecimento talvez esteja na forma como o presidente, quiçá embriagado pela espetacular votação que obteve, deu os seus primeiros passos, quando, para estarrecimento até dos aliados mais próximos, permitiu que seus filhos, entre outras maluquices, tratassem generais de currículo impecável como moleques quaisquer. Esqueceu-se Bolsonaro que não é prudente brincar com fogo. Não tivesse tido, como teve, uma passagem, embora relativamente discreta, pelo Exército, seus desmedidos arroubos, como os de sua prole, não teriam maior significação, maior visibilidade, maior impacto.
Cercou-se de generais, ele que mal chegou a capitão, imaginando, decerto, que o peso dos milhões de votos que recebeu os transformaria em generais vassalos, em generais que aceitariam, submissos e acovardados, as esculhambações postadas, em redes socais, pelos filhos e pelo “filósofo” Olavo de Carvalho.
Hitler, como se sabe, lutou na Primeira Guerra Mundial, tendo chegado a cabo. Mais tarde, tal como Bolsonaro, conquistou o poder, legitimamente, com uma votação consagradora. Sabia, no entanto, que, mais cedo ou mais tarde, sobretudo quando entendesse ser chegada a hora de, pela força, expandir as fronteiras da Alemanha, precisaria contar com a lealdade e incondicional obediência de seus generais. Seguramente não ignorava, porém, que, dada a sua escassa patente militar, precisaria mais do que de votos e popularidade para exigir que seus generais lhe servissem de capacho. Era preciso, enfim, que tivesse ao seu lado alguém, de fora, cujos extraordinários e ilimitados poderes fizessem esses generais, temendo pela própria vida, não questionar qualquer coisa que ele, Hitler, dissesse, fosse o que fosse. Como a história registra, coube esse papel a Himmler, o sinistro comandante da temível SS, de cujas criminosas maquinações todos os generais, com raríssimas exceções, tinham verdadeiro pavor.
Pedindo-se as devidas vênias pela grosseira e quem sabe infame comparação, ressoa evidente que falta um Himmler a Bolsonaro, e talvez seja exatamente por isso que o seu poder, diante das tolas e incompreensíveis brigas que ele e seus não menos boquirrotos filhos vêm comprando contra tudo e contra todos, está paulatinamente se derretendo, a despeito de alguns inegáveis acertos e avanços verificados em seu governo, que não podem ser negados.
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