Carlos Nina

O “jeitinho brasileiro” não é outra coisa senão um eufemismo para corrupção, manobra para tirar alguma vantagem ou escamotear o direito alheio.
As próprias autoridades públicas são notórias descumpridoras das leis. Afeitos a normas de beleza celestial, sabem os legisladores que a realidade é totalmente infernal. Exemplos desses delírios são a Lei de Execução Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, normas habituais em padrões culturais avançados, que se transformam em objeto de chacota em países cujos povos são politicamente analfabetos.
Uma dessas normas hilárias é a que supostamente garante prioridade no atendimento a gestantes, idosos e portadores de deficiência. Há um fosso de hipocrisia interpretativa entre a duvidosa boa intenção da norma e sua aplicação.
A prioridade àqueles segmentos foi facilmente transformada em discriminação.
Veja-se o caso da exigência de cartão de idoso. Trata-se de uma imposição absurda, possivelmente para angariar recursos e beneficiar algum fornecedor, pois a carteira de identidade prova a idade de qualquer cidadão. Se o argumento é a antiguidade da carteira, é mais fácil e mais útil uma segunda via recente desse documento do que um cartão de finalidade e utilidade limitadas. A discriminação está no fato de que a carteira de identidade do idoso não tem o mesmo valor que o reconhecido aos com menos de 60 anos. O pior é que esse cartão tem de ser renovado periodicamente. Certamente para comprovar que o idoso ficou mais velho e não mais novo. Conduta descarada, ofensiva e desrespeitosa para explorar mais ainda aqueles a quem o Poder Público deveria beneficiar.  
Outra incongruência (ou esperteza movida a má-fé) é o tal adesivo para uso de estacionamentos destinados às prioridades. Ou seja, se o saradão ou a tigresa tiverem um adesivo no carro poderão estacionar nas áreas reservadas às prioridades. A pessoa portadora de deficiência, idosa ou gestante, se não o tiver, terá seu carro guinchado. Em juízo ainda perde a ação. A insensibilidade é contagiante.
As filas nos balcões de atendimento são a expressão mais visível dessa discriminação.
À guisa de “assegurar” a prioridade àquelas categorias, lhes é destinado um balcão específico. Extrema discriminação. Idosos, gestantes e portadores de deficiência mais atentos preferem os balcões não prioritários, pois os que têm essa destinação acabam privilegiando as outras pessoas. 
Esses balcões, portanto, destinam-se aos resignados. Prioridade significa ser atendido na frente dos demais, em qualquer balcão. Não é ser confinado a um único deles. A mesma situação ridícula está na reserva de lugares nas cadeiras em transportes e espaços públicos. Pela identificação dos assentos, aqueles segmentos “prioritários” têm um limite. Se as pessoas tivessem educação e respeitassem as circunstâncias alheias, a norma escrita seria tão desnecessária quanto é inútil sua existência em nossa realidade.
Mas não adianta protestar. Nem mesmo no Judiciário os sujeitos da prioridade a obtém. A prioridade no Judiciário é outra. Que o diga seu João, um cidadão de 101 anos de quem a União pretende receber R$ 912,24, valor atualizado de um suposto crédito cobrado em ação judicial que tramita há 36 anos. Seu João só soube da ação há 4 anos, quando sua conta de proventos foi bloqueada. O Juiz de 1o grau desbloqueou a conta e extinguiu o feito, mas a União recorreu. A organização criminosa que jogou o País num lodaçal nunca antes visto neste País precisa dessa grana.
Mas a Justiça ainda não decidiu. Não por indecisão, mas para testar a longevidade do seu João. Afinal, se ele pôde esperar 32 anos para ser regularmente citado e dois anos para ter uma sentença, pode inspirar-se no exemplo de Jacó e esperar seu julgamento como se este fosse a bela Rachel, filha de Labão.
Enfim, mais do que normas o povo brasileiro precisa é de educação e de exercitar a verdadeira cidadania, que implica não só em direitos, mas, também, em deveres.

* Advogado, jornalista. Mestre em Direito Econômico e Político (Mackenzie-SP)