Certa vez, ao conversar com o saudoso e querido amigo, escritor, médico, psicólogo e padre João Mohana, falei-lhe de outro sacerdote, dizendo-lhe de minha admiração pela sua humildade. Mohana, então, com a franqueza que lhe era peculiar e que nem sempre agradava a seus interlocutores, disse-me: - É verdade. É do caráter dele. Difícil é para os sem humildade natural comportarem-se humildemente.

            Nunca esqueci essa lição e, por isso, relevo a importância dos que me consideram uma pessoa sem rancor porque, na verdade, se assim é, resulta, também, das minhas circunstâncias. Não faço esforço para superar desentendimentos, ainda que não consiga conviver com a deslealdade. Que não se confunda com divergências. Estas fazem parte da lealdade.

            Quando sofri um sequestro e fiquei duas horas sob a mira de um 38, enquanto meus amigos, da habitual reunião das sextas-feiras, Argemiro Braga Guará, Celso Lago, Fernando Castro, José Mário Bittencourt Araújo, José de Ribamar Gonçalves Bastos, Oton Leite Fernandes, Roque Macatrão, Zoroastro Rodrigues Batista me aguardavam na porta do restaurante, na área do Renascença, sem saber o que tinha acontecido comigo, que saíra apenas para buscar um livro no carro, meu primeiro pensamento foi de matar o sequestrador. Afinal, ele ia matar-me. Pedi a Deus para não perder o controle e, assim, depois de rodarmos durante duas horas e até voltar onde estavam meus amigos, de onde levei a carteira porta cédulas de Oton, deixei o sequestrador na Praia Grande, depois de manter um longo diálogo com aquele que se apresentou a mim dizendo: - Sou ex-presidiário. Não tenho nada a perder. Qualquer movimento eu te mato.

            No domingo seguinte, fui à missa agradecer por não ter perdido o controle e conseguido sobreviver sem traumas ao fato. As leituras antes do Evangelho foram feitas por duas figuras que simbolizavam a corrupção no Poder Público. Quis sair, indignado, mas lembrei-me de João Mohana. Deveria ser humilde e permanecer. Assim o fiz. E procuro continuar fazendo, ouvindo e lendo com tolerância e compreensão mensagens sobre a bondade, o perdão, a caridade, o amor e outras virtudes, sem conseguir conter a conduta de indiferença, soberba e rancor.

            Amanheci hoje com a vontade incontida desse desabafo por causa de outro amigo, que, nas palavras de minha amada esposa Enide, depois de conhecê-lo: - É uma pessoa essencialmente boa.

            Tão boa que nunca abriu mão de seus amigos. Nunca fechou suas portas aos que sempre o procuraram em busca de auxílio. Imagino como deve ter sido o diálogo quando foi reenviado à Terra, para reencarnar. Presumo que deve ter insistido, como fez o médico Desmond T. S., recentemente revelado em “Até o último homem”,  filme de Mel Gibson sobre a batalha de Okinawa (Segunda Guerra Mundial): - Por favor, deixe eu voltar para salvar mais um!

            - Está bem. E o que você me dá em garantia de que fará isso mesmo?

            - O que for necessário, um dedo, uma perna, o que quiser.

            - Ele voltou. Doou-se completamente. Construiu uma belíssima e unida família. Conquistou amigos e ajudou a inúmeras pessoas.

            Agora lhe pediram um dedinho do pé. Depois, uma perna.

            - O que mais, meu Deus, ele terá de dar por ter sido tão generoso? Pergunto eu, porque, quanto a ele, continua sereno, com olhar de quem quer mais consolar do que ser consolado.