Elson Araújo

O fenômeno Bolsonaro é muito parecido com o que foi o fenômeno Flávio Dino em 2014. Naquela ocasião, o povo não votou nele pelas qualidades que encerra, mas por incorporar vários sentimentos que precisavam ser depositados num receptor que fugisse do convencional cansado e que guardasse em si um fio de esperança de um possível Maranhão melhor.
Naquele 2014, os maranhenses quiseram romper com a “Era Sarney” acreditando numa mudança real. Já agora em 2018 grande parte dos brasileiros quer romper com um modelo de atuação política que há muito, além de não encantar, é corrupto e não consegue resolver problemas elementares da sociedade brasileira. É muita decepção acumulada! O capitão Bolsonaro teve a competência de se apropriar desse discurso. É ele, mas poderia ser qualquer outro que viesse encarnar a retórica que no primeiro turno das eleições embeveceu quase 50 milhões de brasileiros.
O que vivemos hoje no País decorre dos direitos e garantias fundamentais conquistados a duras penas na Constituição de 1988. Desde então, com o fim do regime militar, o Brasil vive mergulhado num caudaloso mar de liberdades que permite a qualquer cidadão se expressar do jeito que quiser, falando verdades e até as mentiras hoje estilizadas e rebatizadas de “fake News” utilizando-se para isso de todos os instrumentos modernos de comunicação de massa. A ascensão política do capitão é resultado da ampla e irrestrita liberdade de expressão potencializada que foi pelas redes sociais alçando-o à condição de um fenômeno, primeiro de mídia, depois de votos.
O grande desafio dos brasileiros, vencendo um ou o outro projeto {Bolsonaro X Haddad} nesse aproximado segundo turno da eleição presidencial, é permitir-se continuar surfando nesse mar de liberdades garantidas pela Constituição de 1988 e ficarem prontos para se insurgirem imediatamente a qualquer tentativa de golpe contra o regime democrático, que pode até ter suas falhas, mas ainda é o melhor entre todos justamente porque tem-se a liberdade de pensamento, de expressão, de poder se reunir para fins pacíficos, enfim de “abrir o bocão” e ir pras ruas protestar contra o que quiser; garantias ausentes nos regimes autoritários, seja de direita ou de esquerda.
Os dois projetos postos à disposição do País nesse segundo turno aqui e acolá, em atos falhos ou não, deixam escapar frases aparentemente inocentes, mas que suscitam um rastro de preocupação quanto ao futuro da maior democracia da América Latina.
Resultado do regime democrático temos hoje no País uma imprensa aguerrida, que investiga, denuncia e mostra para o mundo o que há de certo e errado, e nesse viés já se fala em “controle social dos meios de comunicação”. Temos hoje também um ativismo muito forte do Ministério Público e do Poder Judiciário, que às vezes até exorbitam de suas funções, mas isso não é motivo pra se falar em “controle social na administração da Justiça”, e por último ainda surgem rudimentos da convocação de uma nova Assembleia Constituinte, sem falar na possibilidade de um chamado “autogolpe”, uma espécie de golpe de Estado que ocorre quando o líder de um país, que chegou ao poder por meios legais, dissolve ou torna impotente o poder legislativo nacional e assume poderes extraordinários não concedidos em circunstâncias normais.
Entre um desmentido e outro não há como não se preocupar com a remota, mas presente, ameaça de desabamento do edifício democrático construído à custa de muito suor e lágrimas de milhares de brasileiros que num passado não muito distante sacrificaram a própria vida para que hoje pudéssemos exercer o doce sabor das liberdades democráticas.
Que o mesmo entusiasmo que toma conta da nação brasileira para a escolha do próximo presidente da República seja posto em prática para, se for o caso, combater qualquer atentado contra o exercício dos direitos sociais e individuais a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e justiça, bens supremos abrigados no nosso Estado Democrático de Direito.