É cultural no Brasil o ditado de que o ano só começa após o carnaval. Pois bem, por pura ironia dos acontecimentos, foi justamente após o carnaval que passamos a assistir, ler e presenciar a chegada da primeira pandemia do século XXI em nosso território, o Coronavírus.
Tragédia anunciada, o caos presenciado nos dias vividos nas últimas semanas teve seu primeiro sinal antes do natal, numa pequena comunidade asiática. Mas, nosso egoísmo capitalista vendou nossos olhos, fez-nos achar que o problema estava do outro lado do mundo, longe de nós.
Festividades de fim de ano desfrutadas, confraternizações, viagens e muitos planos para o futuro...Ah! O carnaval chegou! Quatro dias intensos e coloridos com muitos ritmos e a irreverência dos brasileiros com suas fantasias atrativas foram preenchendo uns 90 dias desde o primeiro doente confirmado. Mas entrar em alerta por quê? Está longe de nós, quem sabe não seja mais uma mentira inventada por aí...
Mas, como o ano só começa após o carnaval, os problemas também. E a resposta ao descaso global a um problema antes tão distante chegou na quarta-feira de cinzas, início da quaresma para os cristãos. "Brasil confirma primeiro caso do novo coronavírus", diziam as manchetes dos jornais. "Isso é histeria" disse o presidente. Ah...mas o cara é um idoso que esteve na Europa. Ele está isolado em um hospital no sudeste, não vai chegar aqui no interior porque pobre não viaja...Enquanto isso, países chegaram ao ponto de ter que decidir entre quem tem chances de viver com atendimento médico e quem está condenado a morrer com o método Sofia, num real cenário de catástrofe, daqueles que a gente só tinha visto em narrativas cinematográficas.
A vida continuou movimentada, as pessoas também. As igrejas assim como os bares lotados, crianças indo à escola, tudo como deveria ser, ou não. Cerca de 120 dias após a Ásia entrar no tornardo provocado pela doença que sufoca não só pulmões mas o convívio no mundo, nós, do interior do Brasil, também estamos provando dos dissabores desse furacão.
Até semana passada, tudo parecia bem quando numa sexta-feira 13, data sugestiva, os governantes começaram a anunciar a suspensão de serviços, iniciando pelas escolas. Mas o povo continuou achando bobagem e muitos aproveitaram o tempo livre para o lazer fora de casa. Se preocupar por quê? É neurose, exagero e oportunismo desse povo para não trabalhar, então vamos visitar amigos e parentes distantes, diziam.
Estamos a cerca de quatro meses do primeiro anúncio na China, em estado de alerta, andando mascarados, nos embebendo em álcool em gel, e nos distanciando fisicamente de familiares e amigos para nos aproximar de tentativas de contenção do caos. Sim, o mesmo presidente que achava histeria e que quebrou protocolos de saúde viajando ao exterior no período de contágio, e participando de atos com grande aglomeração, hoje aparece na TV mascarado, admite que parte da sua equipe está infectada e a hipótese de fechar as fronteiras do país, isso após o vírus ter entrado e se alastrado.
Mas ainda há aqueles que pensam ser uma teoria da conspiração para uma superpotência ganhar a 3ª Guerra Mundial...Há os patrões preocupados no lucro excessivo e agindo com oportunismo descarado superfaturando os preços de produtos essenciais... e aqui estamos nós, amedrontados, ansiosos, HISTÉRICOS, no meio desse turbilhão, lembrando do célebre e clichê poema de Bertold Becht:
"INTERTEXTO
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo".
Kayla Pachêco Nunes
Professora da rede estadual do Tocantins e mestranda pelo Profletras/UFT.
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