Juíza Sara Gama
Sala de audiência, de onde são acompanhados os depoimentos dos menores

Geovana Cavalho

Crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica são ouvidos de maneira diferenciada na comarca de Imperatriz. Desde outubro de 2010, a Vara Especial da Mulher realiza procedimento de apuração humanizada, com metodologias específicas para ouvir crianças e adolescentes.
O chamado Depoimento Especial valoriza a palavra da criança e do adolescente e respeita sua condição de pessoa em desenvolvimento. O procedimento é um trabalho em conjunto entre o Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público, Polícia e Técnicos Especializados em ouvir crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas de violência doméstica.
A juíza Sara Gama, titular da Vara Especial da Mulher, afirma que nos moldes tradicionais de apuração, a criança repete diversas vezes o fato testemunhado. “A cada repetição da história a criança é revitimada”.
A metodologia do Depoimento Especial visa humanizar a apuração do depoimento infantil. A criança é ouvida por uma psicóloga, enquanto seu agressor está em outro ambiente com o juiz, promotor e advogados. “O objetivo é constrangê-la o menos possível”, diz a juíza. As perguntas, feitas pelos advogados ou juiz, são passadas por ponto eletrônico à psicóloga, a qual, de forma adequada à situação, as refaz à criança. A sala é equipada com câmera e microfones, todo o procedimento é acompanhado na sala de audiência por partes, advogados e juiz.
A criança/adolescente é informada do que acontece. Quem está ouvindo e como será o procedimento. “Se ela quiser pedir que o agressor saia da [outra] sala, ela pode. Ela chega meia hora antes das partes, acompanhada por assistente social”, esclarece a magistrada.
Além da cidade de Imperatriz, o projeto foi implantado também em Coelho Neto. A iniciativa foi inspirada em projeto desenvolvido no Rio Grande do Sul - que por sua vez foi inspirado em modelo britânico, desenvolvido pela Ong Childhood (ver box) - onde uma equipe delegada pela desembargadora Cleonice Freitas fez treinamento para aplicar o modelo em Imperatriz. A equipe é formada por uma psicóloga e duas assistentes sociais.
A assistente social Ayla Castelo Branco afirma que todo depoimento causa alguma espécie de dano, no entanto é possível minimizá-los. “No procedimento tradicional a criança, de tanto repetir, chega ao ponto que pode ter sua versão induzida pelo adulto”, diz a assistente social. A juíza complementa: “Tem advogado que faz pergunta à criança como se estivesse falando com um adulto, isso constrange a criança”.
Uma cartilha para a divulgação do Depoimento Especial foi desenvolvida pela equipe responsável pelo projeto. Ayla Castelo Branco, Jaurina Madeira, Kelly Rocha e Marcelo Ricardo criaram o livreto, suas ilustrações, textos e projeto gráfico. Dra. Sara Gama afirma que todo esforço é para dar maior proximidade do projeto à comunidade. Ela ressalta que toda a equipe da Vara está capacitada a acolher bem o usuário dos serviços. “Nossa preocupação em atender bem é com todos, também com o homem, ele tem que chegar aqui sabendo que não está pré-julgado. (…) Todas as partes envolvidas recebem atendimento psicológico, enquanto durar o processo”.

A Childhood Brasil é uma organização brasileira e faz parte da World Childhood Foundation (Childhood), organização internacional criada pela Rainha Silvia da Suécia, em 1999, para proteger a infância e deixar as crianças serem crianças. Além do Brasil, a Childhood possui escritórios em 16 países, incluindo Alemanha, Estados Unidos e Suécia, que juntos somam mais de 500 projetos executados.
A Ong apoia projetos, desenvolve programas regionais e nacionais, influencia políticas públicas e transforma a vida de muitas crianças e adolescentes. Também educa os diferentes agentes, orientando como cada um pode agir para lidar com o problema, promovendo a prevenção e formando proteção em rede.

Palavra da Rainha

“O que começou há uma década como uma articulação entre amigos e empresários, hoje é uma das mais sólidas organizações no combate à violência e exploração sexual de crianças nos 16 países em que atuamos. Mais do que isso, nosso objetivo tem sido permitir que as crianças sejam crianças.
Tem sido uma longa, mas ainda curta jornada. Temos trabalhado arduamente e estou orgulhosa que a Childhood já tenha conseguido ajudar muitas crianças em situação de vulnerabilidade em todo o mundo para que tenham um futuro melhor, em especial as meninas, já que a situação delas é sempre mais delicada. Particularmente no Brasil, já desenvolvemos 63 projetos e 17 programas estratégicos, impactando e transformando a vida de 1,1 milhão de pessoas”.