Sentado numa cadeira plástica, na sala de uma casa simples, ele conta um pouco da história que envolve sonhos, música e acidentes que marcaram para sempre sua vida. Os cabelos estão todos brancos, as forças já não são as mesmas, alguns objetivos foram driblados pelas limitações que hoje fazem parte da rotina de Admilton Faustino de Carvalho, um senhor de 70 anos de idade, aposentado, deficiente, apaixonado pela música, um ouvinte de rádio que se tornou locutor de alto-falante.
Quando ainda era rapaz e tinha uma saúde de ferro, em meados da década de 1960, ele saiu do município de Jucás, no estado do Ceará, onde nasceu, e veio tentar a vida em Imperatriz. Hoje, não consegue lembrar com clareza os detalhes da sua chegada à cidade. Trouxe sua esposa, dona Maria das Graças, com quem teve dois filhos, Ailton e Almir. Seu Admilton, como é conhecido, estudou somente até a primeira série do Ensino Fundamental. Ele trabalhou como carpinteiro numa serraria e até chegou a ser gerente de firma.
O ouvinte conta que sofreu um acidente que mudou definitivamente a sua rotina. No ano de 1986, o carro que era conduzido por ele colidiu com outro veículo, nas proximidades da barreira policial na BR-010, em Imperatriz. Ele ficou com as duas pernas atrofiadas e passou a usar muleta para se locomover. Tornou-se deficiente físico.
Algum tempo depois, o aposentado ouviu o chamarem na porta para perguntar se não tinha interesse em comprar um alto-falante, usado, mas em ótimo estado de conservação. Ele disse que na mesma hora lembrou-se do filho caçula, Almir, que, assim como ele, adorava ouvir música da melhor qualidade. “Adquiri o aparelho e, depois de alguns ajustes, passou a funcionar melhor do que antes”.
O gosto pelas ondas sonoras era demonstrado no uso do rádio, do toca fitas, e depois, do alto-falante adaptado ao microfone, quando ele passou a transmitir para a vizinhança os ritmos e a programação da Nativa FM, sua predileta. Os moradores da Rua 10 e proximidades, no bairro São José, passaram a ouvir música sertaneja, Arimateia Junior, e a usar o canal de comunicação para mandar recados, fazer propagandas e até tocar jingle de candidato a vereador. Agora, o gosto pela música se transformava num espaço de interação entre moradores do bairro.
Nesse contexto, bem semelhante aos primórdios da rádio comunitária no Brasil, seu Admilton também deixava sua marca. Todas as manhãs, cedinho, quando o galo cantava, ele acordava os vizinhos: “Não se esqueça de comprar seu pão na panificadora do meu amigo (...)”. Ele afirma que nunca cobrou nada para divulgar no seu alto-falante. Fazia uma mistura da programação da rádio com os anúncios do bairro. Minutos depois, encerrava sua transmissão.
No ano de 2008, ocorreu a maior tragédia da sua vida. Seu filho Almir, com quem compartilhava a paixão de transmitir as músicas, foi assassinado. Ele não quis comentar sobre os detalhes deste fato, mas afirma que ficou muito triste. “Eu perdi a emoção que tinha. Depois disso, não consegui ser a mesma pessoa, pois fiquei abalado”, comenta com o semblante já diferente.
Meses depois, o alto-falante apresentou problemas e até hoje continua desativado. A rotina dos moradores da Rua 10 voltou a ser como era antes. O canal com a vizinhança se calou.
Hoje, por causa da deficiência, seu Admilton usa uma carroça para se deslocar à casa de amigos e resolver seus negócios, como ir para a feira do Bom Sucesso, para a loteria do bairro, para o supermercado. “De vez em quando ganho algum dinheiro com frete, mas quando o cliente se dispõe a carregar e descarregar a carroça, pois não tenho mais saúde para isso”, explica.
Para ele, ouvir rádio sempre foi um dos seus hábitos favoritos, apesar de hoje trazer lembranças do seu filho caçula. Ele mora com a esposa, o filho mais velho e o neto pequeno, Gustavo. A frequência com que escuta o rádio diminuiu, mas ele ainda ouve a mesma emissora, o mesmo estilo de música e tem saudades daquela época.

Texto: Diego Sousa Revisão: Nayane Brito e Thays Assunção