Nos dicionários "choque" também significa "abalo emocional devido a causa externa" e "xeque" é "situação perigosa, arriscada ou difícil".
As duas palavras definem parte do quadro da vida pessoal do cantor, compositor e músico maranhense Lourival Tavares, há 34 anos residente em São Paulo (SP) e um dos artistas mais consistentes da música popular maranhense e brasileira.
"Estou em choque e em xeque", diz Lourival. O que aconteceu?
No segundo semestre deste ano, o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) deixou de pagar o benefício que Lourival Tavares recebia há 12 anos, desde 2005, baseado no salário que o cantor ganhava nesse ano, quando era supervisor da gravadora CPC-UMES, o Centro Popular de Cultura da paulistana UMES (União Municipal dos Estudantes Secundaristas), fundada em 1984.
Lourival Tavares recebia o benefício em razão de um quadro psiquiátrico de 19 anos, que envolve, por exemplo, depressão crônica, transtorno bipolar e surto psicótico. Esse tipo de transtorno, uma variação da esquizofrenia, é devidamente certificado pela CID, a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, e reconhecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde), que assiste o cantor maranhense desde 1998. Esse transtorno é classificado com os códigos F25.2 CID 10 e F20.0 CID 10.
Os problemas de saúde de Lourival Tavares obrigam-no há quase 20 anos a tomar uma bateria de medicamentos, entre eles Clonazepan (rivotril) 2 mg, Respiridona 2 mg, Fenergan 25 mg e Fluoxetina 20 mg. O advogado do cantor diz que o INSS não poderia ter suspendido o benefício, pois Lourival continua tomando as medicações há duas décadas. Entretanto, de modo surpreendente, a médica perita do INSS contradisse o diagnóstico dos médicos psiquiatras do SUS e, após consulta, classificou a doença do artista maranhense com código da CID diferente daquele que há anos garantia o benefício ao cantor.
Em novembro, Lourival Tavares foi novamente alvo de perícia, agora judicial, resultado da ação previdenciária que ele apresentou na Justiça Federal paulista. O músico não teve êxito em sua demanda. Ele próprio resume: "Minha situação está delicada! Estou em xeque! Estou passando pela pior crise aqui em São Paulo".
Lourival ainda espera reverter o quadro e ter seu direito respeitado. Se recebesse os benefícios suspensos desde julho de 2017, ele calcula que sanaria os problemas financeiros advindos da suspensão, como a dívida na Caixa Econômica Federal, cartões de créditos atrasados, uma ação de despejo, por não ter como pagar o aluguel. Ele esclarece: "Minha dívida na Caixa e com os cartões não é de valor alto, mas o governo tirou a renda que me garantia em São Paulo".
Nem os problemas tornados públicos de artistas brasileiros de renome internacional como Belchior e João Gilberto tornam menos angustiante a situação pela qual passa o cantor, compositor e músico da MPB Lourival Tavares. Com sadio orgulho e autoestima, ele diz que não quer pena nem esmola, mas reconhecimento de seus direitos.
"TALENTO SÓLIDO" - Em entrevista há 15 anos, em 2002, o site especializado em MPB RitmoMelodia (www.ritmomelodia.mus.br) reconhece o "talento e a solidez" musical de Lourival Tavares. O cantor maranhense também está presente no prestigioso Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que reconhece nele "influências do pop urbano e da MPB tradicional" e "dos ritmos regionais como o maracatu". Em sua própria avaliação, ele "acha que deu um pouco de contribuição cultural ao meu estado do Maranhão".
Nascido há 63 anos, em 31/10/1954, no povoado Centro dos Olegários, município de Pio 12, no Maranhão, com cinco anos mudou-se com a família para Santa Inês, no mesmo estado. Foi nessa cidade que começou seu interesse pela música e, com 16 anos, em 1970, no programa de calouros "Clélio Silveira Show", fez sua estreia em palco, cantando o carioca Sílvio Caldas (falecido em 1998).
Um aplicado autodidata, Lourival Tavares aprendeu a tocar violão e teve a sadia influência de músicos e músicas que ele ouvia muito a partir dos 4 anos, como os cantadores repentistas e os cantores de forró e baião (Ary Lobo), da Jovem Guarda, dos movimentos musicais baiano (Tropicália) e cearense, além de músicos românticos, como Waldick Soriano. Também o influenciaram Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Caetano Veloso, João Bosco, João do Valle e os poetas Catulo da Paixão Cearense (que é maranhense), e Patativa do Assaré, cearense. Com 19 anos começou a compor, fazendo letras e melodias.
Há 40 anos Lourival Tavares é um campeão de festivais: começou em 1977, em Imperatriz, segunda maior cidade maranhense, onde tornou-se referência artístico-musical. Foi para a capital do estado, São Luís, onde desenvolveu trabalhos com grandes nomes da música maranhense e brasileira, como Josias Sobrinho, César Teixeira e muitos outros colegas da capital maranhense. Depois, Lourival foi para outras capitais, entre elas Brasília (DF) e, sobretudo, São Paulo (SP), que escolheu para morar. Já tocou junto com grandes nomes da MPB, entre eles Sivuca, Almir Sater, Tetê Espíndola, Arrigo Barnabé, Zé Ramalho, Vicente Barreto, Alceu Valença e muitos outros do cenário da música popular brasileira.
Lourival Tavares é autor de pelo menos 11 trabalhos, do vinil ao formato digital: "Um Canto do Maranhão -- Um Pé no Asfalto e o Outro no Sertão" (três volumes em formato digital pela gravadora Atração Fonográfica, de São Paulo), "Enluarado" (CD), "O Laço do Olhar" (DVD), "A Nudez de um Fonograma" (CD), "No Batuque do Coração" (CD), "Na Colheita dos Versos" (CD, ao vivo), "Miragem" (CD), "Lobo da Lua" (LP), "Procissão das Formigas" (LP) e "Anatomia da Razão" (compacto).
Lourival Tavares está há seis anos sem gravar e há três anos sem se apresentar em shows. Mas nunca parou de compor, pois, em geral, para o músico, sua arte é sua vida. Se não pode estar fora, aos olhos e ouvidos dos apreciadores, menos ainda pode deixar de estar dentro, na alma de quem é compositor, músico, cantor.
Retirar os direitos de Lourival Tavares não fará dele menos músico. Ao contrário, foi por ser músico profissional de alta qualidade, que mereceu os direitos de que desfrutava.
Muitas pessoas sentem-se desrespeitadas pelo INSS. Por isso gritam.
Lourival Tavares é um desses -- mas, em casa, sozinho, ele canta.
Mas o INSS não ouve música.
Não ouve o Direito.
E a terra de Lourival, o ouvirá?
Ou todos estão surdos?
EDMILSON SANCHES
edmilsonsanches@uol.com.br
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