O enfrentamento da exploração da mão-de-obra infantil e adolescente passa necessariamente pela desconstrução de discursos justificadores nascidos no seio da sociedade brasileira e difundidos de tal forma que aparentam verniz de verdades absolutas. Mas só aparentam, é bom que se diga!
São tais discursos, em verdade, frutos da profunda desigualdade econômica e social de nosso país, da ausência de políticas públicas de proteção integral aos nossos concidadãos que atravessam uma peculiar fase da vida, bem como de uma certa letargia social em se insurgir contra o problema.
Exemplos clássicos de justificação (sofismas) para inserir crianças e adolescentes no trabalho precoce: “é melhor estar trabalhando do que roubando”, “eu também trabalhei desde cedo”, “trabalhar é a melhor opção”.
Na primeira máxima, há um viés claramente patrimonialista e preconceituoso. É preciso ocupar com trabalho as crianças para que não cometam furtos, roubos ou outros ilícitos penais. Mas de quais crianças estaríamos falando? Daquelas inseridas em núcleos familiares com condições econômicas favoráveis ou das que são pobres ou miseráveis, algumas das quais sem nenhuma estrutura familiar?
Obviamente que das pobres, porque, regra geral, nenhum pai ou mãe que tenha alguma condição financeira deixa de colocar seus filhos nas melhores escolas, deixa de lhes proporcionar espaços de lazer adequados e demais atividades compatíveis com a idade para ocupá-los no comércio, na rua, em lixões, em lava a jatos, oficinas mecânicas, dentre uma infinidade de atividades lícitas. E até mesmo ilícitas, como no tráfico de drogas.
E nem é preciso dizer que a ausência desses trabalhos em tenra idade não levará necessariamente os filhos das classes abastadas para a criminalidade. Então, não se pode sacrificar a infância dos mais pobres em nome de uma (falsa) sensação de segurança. A estes também devem ser disponibilizados os direitos à educação, lazer, convivência familiar, social e comunitária. E, quando crescerem, aí sim trabalhar.
Os dois outros discursos justificadores citados bem demonstram que o problema está enraizado em nossa sociedade, porque vem atingindo várias gerações. São pais que tiveram de trabalhar desde cedo, premidos pelas necessidades econômicas, e acreditam não haver opção outra que não atribuir aos seus filhos tarefas de gente grande, com inserção fora de hora no mercado de trabalho, sem a adequada preparação, perpetuando as condições de subemprego, falta de profissionalização e subremuneração.
Ademais, não se pode desprezar a responsabilidade do Poder Público pelo problema, uma vez que a inércia em implementar e dar efetividade às políticas públicas de erradicação do labor infantil termina por gerar uma representação no imaginário popular de que é e sempre será normal ver crianças em situação de trabalho, especialmente em espaços públicos (sinais de trânsito, praças, centros comerciais).
Essa aparente normalidade construída e justificada gera a apatia social. Poucos demonstram indignação. Vozes nem sempre se levantam para denunciar. E vai se estabelecendo, ainda que involuntariamente, um acatamento da situação.
Por isso é que se afigura essencial a desconstrução dos discursos de justificação, para que se diga e repita quantas vezes forem necessárias que o melhor para as crianças é que elas estejam estudando, brincando e não trabalhando. Que se seus pais foram vítimas no passado, a elas deverá ser assegurado um novo cenário social, com igualdade de oportunidades por meio da educação, fazendo com que eventuais disparidades econômicas não representem para as mais pobres o caminho inevitável do trabalho em idade inadequada, como se a melhor opção fosse quando nem opção é.
Ítalo Ígo Ferreira Rodrigues
Procurador do Trabalho no Município de Bacabal-MA
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