Roberto Wagner

Muitos imaginaram, de início, que o assunto referente à pandemia da Covid-19, pela inédita dimensão dessa tragédia sanitária, catalisaria, sozinho, pelo menos aqui no Brasil, todas as atenções da população e, por conta disso, do noticiário nacional. 
Sendo igualmente inédita, pela colossal dimensão do que está sendo presenciado e veiculado pela imprensa brasileira diariamente, tem competido com a crise provocada por essa angustiante pandemia, em pé de absoluta igualdade, a não menos aflitiva crise política pela qual o país está passando.
Tem um detalhe, porém, que torna tal crise política ainda mais preocupante, que é o fato de, naturalmente ocupados em dividir nossas atenções com essa monumental tragédia causada pelo novo coronavírus, não estarmos vendo, com a devida clareza e profundidade, o agravamento da crise política, cujos desdobramentos, no limite, poderão nos levar, dada à fala raivosa e à disposição de alguns para não largar o osso, até à própria ruptura do conjunto normativo que assegura os direitos e garantias individuais, deixando a nossa jovem democracia, dessa forma, à mercê do mar tenebroso e cada vez mais revolto cujas águas, sem que nos apercebamos, aproximam-se perigosamente da costa.
O jogo está sendo travado, não nos iludamos, sem qualquer regra, sem qualquer pacto estabelecido para que golpes baixos não sejam usados. Está valendo tudo, absolutamente tudo. Correm rumores, por exemplo, de que o presidente Bolsonaro estaria cortejando o procurador Augusto Aras, ao qual, na condição de chefe da Procuradoria-Geral da República, cabe oferecer denúncia, se for o caso, contra o presidente da República, acendendo-lhe, segundo se comenta, com uma vaga no Supremo. Reza o velho ditado popular que a carne é fraca. Torçamos para que, neste caso, não seja.
Enfim, estamos em um trágico momento histórico, em que, ao lado de uma pandemia que vem tragando vidas a não mais poder, encontramo-nos assistindo o país caminhar, a passos rápidos, para uma situação de verdadeiro esgarçamento institucional, com o presidente achando, baseado sabe-se lá no que, que tem o divino poder de desafiar, com ameaças e palavrões, a tudo e a todos, como acontece nas piores ditaduras mundo afora.
Segundo a mitologia grega, Pandora teria sido a primeira mulher e que foi, justamente a partir dela, que tiveram início as tragédias humanas. Uma das versões sobre esse mito diz, no entanto, que ela veio com a missão de agradar aos homens e que, em seu casamento, teria recebido uma caixa repleta de presentes. Ao abri-la, para ver o que tinha dentro, acabou deixando que tudo o que nela havia escapasse, menos a esperança.
Que, em nosso socorro, os céus não permitam que nos escape a esperança de que, muito em breve, tenhamos devidamente revigorada a nossa, repito, jovem democracia, por sinal, tão duramente conquistada, coisa da qual não devemos nos esquecer, jamais.
Até a próxima.