- Cadê a mata que estava aqui?
- O fogo queimou.
- Cadê o fogo?
- A água apagou.
- Cadê a água?
O sucinto diálogo nos leva de volta à infância por meio das lembranças das estórias e cantigas de ninar que, no meu tempo, ainda se ouvia dos avós antes de dormir. Recordar a infância é sempre bom. Nos versos da poesia a infância é melancolicamente lembrada como “aurora da minha vida”.
Mas, no complicado mundo dos adultos, o faz de conta da estorinha sai da ficção vira realidade. O mesmo diálogo produz uma síntese fiel de uma recente situação, que nos impõe uma triste realidade e nos causa profunda angústia.
Hoje, felizmente, ainda podemos responder à terceira indagação do diálogo.
- Cadê a água?
- A água está aqui, no rio.
Saciando a sede, matando a fome, promovendo o lazer, refrescando o corpo, mas queimando a alma de alguém que se atormenta ao imaginar que um dia poderá não haver resposta se alguém lhe perguntar:
- Cadê a água que estava aqui?
Se a mata ciliar continuar desaparecendo e o fogo permanecer queimando, um dia quem sabe, não haverá água para apagá-lo. Então, nesse dia a resposta para essa possível pergunta poderia ser: 
- O boi bebeu.
E antes que houvesse a conseguinte pergunta:
- Cadê o boi?
Alguém responderia:
- Este também desapareceu.
E certamente acrescentaria:
- Com ele também sumiram as florestas, que deram lugar às  pastagens, que por sua vez também secaram.
Diante de tantas informações estarrecedoras, outra provável pergunta:
- E os outros bichos que viviam na mata ciliar, para onde foram?
Essa interrogativa eu mesma respondo. Pelos menos um deles continua lá, no seu habitat. Renascendo das cinzas, literalmente. Até quando? Não se sabe. Talvez, até a próxima queimada.
Leitores em vi. Na beira-rio, o camaleão faceiro e solitário, que ora passeava suavemente ao exibir o longo e verdejante dorso por sobre a grama, agora move-se lentamente. De pescoço ereto e olhos arregalados, ele se arrasta, para, olha para os lados, estica o pescoço e continua a rastejar lentamente como se não soubesse para onde ir. Não fosse o pescoço ereto e o olhar assustado, poderia passar despercebido, já que não muda mais de cor por falta de opção. Agora, confunde-se com os arbustos do que restou da mata ciliar. A mata? O fogo? A água? O boi? O cameleão? Eis que tudo virou cinzas.
Aos caríssimos, leitores bom domingo e uma produtiva semana.

Dijé Guedes – Jornalista