Um psicólogo americano, não recordo o nome agora, teria dito em uma de suas obras que “a maior ânsia do ser humano é a vontade de ser reconhecido”. Ao raciocinar sobre essa observação, que certamente não deve ter sido dita à toa, percebo que essa é uma verdade inquestionável. Por “mais soberano ou mais simplória que a pessoa seja, lá no íntimo ela deseja ser reconhecida por aquilo que faz ou pela sua trajetória de vida. Avalio ser esse dispositivo das relações humanas um dos importantes ingredientes do “cardápio que alimenta a alma” e fortalece o viver em sociedade.
Na pluralidade do “ser humano” acumula-se inúmeras competências. Ouso dizer que até os loucos no seu mundo particular costumam ser competentes em algumas das coisas que fazem. Há loucos que cantam, pintam, dançam e falam muito bem - melhor até que muitos que se apresentam com um juízo perfeito. Se os loucos, num lampejo de lucidez sentem-se felizes quando distinguidos - seja com um aplauso, um sorriso, um mimo ou outro gesto qualquer - imagine os potencialmente conscientes?
Dito isto, é com total capacidade de consciência que na coluna deste domingo ressalto a figura de um cidadão simples no andar, no falar no seu, SER diário presente há 55 anos no Maranhão; 35 deles só em Imperatriz. Embora não seja “filho legítimo”, ou seja, não tenha nascido nas barrancas do Rio Tocantins, há muito esse artífice da arte de fabricar e recuperar sapatos se incorporou ao quotidiano da cidade não só pela sua arte, tão bem executada, mas pelo “emblema” que se tornou quando o assunto reside na articulação, visão e conselhos políticos, e não políticos, enfim, dicas sábias de quem já acumula “algumas dezenas de janeiros”.
Com uma educação nata, um português impecável, segundo ele, apreendido pelo hábito da leitura e no meio em que sempre viveu, o nosso admirável João Alves Peixoto, o popular “Mestre João”, que se escolarizou somente até a 6ª série, costuma ensinar que é “conversando que a gente aprende e que o ser humano de fato é produto do meio”.
O Mestre João mora numa humilde residência na Rua Luís Domingues, entre as Ruas Pará e Maranhão, local onde mantém aberta sua oficina. Pelo ofício com o qual se mantém há anos, é grande, principalmente agora em período de crise, o número de clientes seja para “colar o sapato, pôr uma fivela na sandália importada ou mesmo recuperar a mochila escolar já carcomida pela ação do tempo, mas que nas mãos do mestre pode durar mais um “cadinho” de tempo.
A Oficina do Mestre João não é conhecida apenas pelos “milagres” que realiza na recuperação dos artefatos de couro ou sintéticos, o lugar é famoso também por receber do aspirante à vida pública até o mais experiente político; do mais simples operário à maior autoridade do Estado, como o ex-governador Jackson Lago, de quem o Mestre era amigo desde o tempo em que ambos moravam em Bacabal. “Recebi também muito aqui em casa o hoje prefeito Madeira quando ele era deputado, um amigo de longas datas”, revela.
Ao ser questionado sobre essa capacidade de atrair tanta gente para as chamadas resenhas ou mesmo para um simples aconselhamento, o mestre respondeu: “Talvez seja uma espécie de missão. Todos nós temos um chamado. Talvez seja esse o meu”.
Assim é o Mestre João, casado há 45 anos com a dona Maria Édina. Um cearense nascido no Juazeiro em junho de 1934, que cansado de ser maltratado por sua família originária, aos nove anos de idade fugiu de casa para não mais voltar e que se apaixonou pelo Maranhão e mais ainda pela cidade de Imperatriz.
“Sou fugido até hoje”, filosofa ele calmamente enquanto recupera o solado de um sapato sob o olhar curioso de mais um cliente que acabara de chegar com uma mochila sem o fecho.
Elson Mesquita de Araújo, jornalista
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