Maria das Graças Carvalho de Souza
Juíza aposentada e ativista social
O governador do Maranhão, quando em campanha eleitoral, incluiu em seu programa de governo um tema que é da maior importância, não apenas para o nosso estado, mas para todo o país e até para a humanidade: a água. O programa “Água para Todos” foi mostrado na propaganda do então candidato, apenas como um serviço de colocação de água encanada em todas as residências do estado, deixando claro que tal serviço destinar-se-ia a assegurar que o produto água seria fornecido de forma permanente e abundante a todos os habitantes, ou seja, que a população não sofreria mais o problema da falta de água, como sempre ocorreu nas gestões anteriores.
A propósito, queremos com esse artigo e com outros que pretendemos escrever, chamar a atenção do novo governo e da sociedade para um fato extremamente importante, o de que, para que a água chegue nas residências das pessoas, é preciso, além da ocorrência de chuvas regulares, que ela seja adequadamente canalizada para os lençóis freáticos que abastecem as nascentes dos rios, o que se dá com o funcionamento normal dos biomas.
Como iniciante em estudos do tema, tenho descoberto que a água é um recurso em processo de extinção, caso os poderes públicos e as comunidades não tomem, com urgência, medidas importantes como a recuperação de biomas e de bacias hidrográficas. Ao longo dos anos, esses elementos da natureza têm sido tratados, tanto pelos poderes públicos quanto pela comunidade, com um descaso que chega a ser considerado criminoso, tendo em vista que o futuro da humanidade depende do tratamento dado ao meio ambiente hoje, especialmente o seu elemento mais importante: a água.
A gravidade da questão pode ser vista em um publicação do Prof. Altair Sales Barbosa, da Universidade Católica de Goiás (graduado em Antropologia pela Universidade Católica do Chile, Doutor em Arqueologia Pré-histórica pelo Museu de História Natural de Washington), veiculada no Jornal Opção, que mostra que o Cerrado brasileiro - vegetação que cobre grande parte das regiões nordeste e centro-oeste do país e que é a maior responsável pelo funcionamento normal do ciclo da água - já foi devastado em mais de 90% de sua extensão.
Estudos geológicos apresentados pelo Doutor Altair Sales Barbosa mostram que o Cerrado é uma floresta invertida, ou seja, as árvores têm raízes longas, cerca de dois terços de uma árvore nativa do Cerrado são raízes. Isso permite um maior poder de absorção da água das chuvas e sua canalização até os lençóis freáticos, de onde seguem para formar as nascentes, que formam os pequenos rios, que abastecem os rios grandes e os oceanos. Segundo esses estudos, a vegetação do Cerrado levou mais de setenta milhões de anos para se formar, requerendo um tempo igual para ser recuperada devendo, por isso, a sua preservação ser objeto de grande preocupação das sociedades e dos governos.
Segundo o estudo do Doutor Altair Sales, a destruição do Cerrado brasileiro deve-se ao avanço do agronegócio que explora, principalmente, as culturas de soja, celulose (eucalipto) e o capim brachiara, que alimenta os rebanhos bovinos.
Para ele, o tema da sustentabilidade, como todas as questões importantes para a qualidade de vida das populações e até mesmo para a sobrevivência da humanidade, especialmente no caso da água, sempre foi tratado com enorme descaso. O Cerrado sempre foi visto como uma terra ruim, improdutiva. Nunca se procurou saber qual a sua verdadeira utilidade e quanta riqueza havia no subsolo, na flora e na fauna das chapadas que cobriam os sertões do Maranhão, Tocantins, Goiás, Mato Grosso e outros. Isso teria despertado o interesse pela preservação, ou, quando menos, pela criação de grandes parques de preservação dos biomas, que permitissem a preservação das fontes e reservatórios naturais da água.
O estudo revela, ainda, que o avanço dessas culturas se deu sem que os governos estaduais e federal fixassem as diretrizes necessárias para a sustentabilidade, destinando áreas de preservação suficientes para manter os lençóis e aquíferos e, assim, propiciar o fluxo dos ciclos aquáticos. Isso possibilitou que os produtores de soja, de brachiarão e de eucalipto desmatassem a vegetação nativa para explorar tais culturas, por ser o Cerrado um bioma que se situa em regiões de planaltos, muito apropriadas ao cultivo de produtos do interesse do agronegócio.
Esses agentes econômicos, pensando apenas no lucro e sem se importar com as consequências da atividade exercida para o meio ambiente ecológico, compraram grandes áreas do Cerrado maranhense que passaram a desmatar, sem qualquer critério, inclusive nas nascentes dos cursos de água, muitos dos quais já estão quase secos, fazendo diminuir o volume de água dos grande rios, inclusive do Tocantins, cuja nascente, situada na Serra Formosa, em Goiás, já teve o seu volume reduzido em cerca de 50%.
Pessoalmente, venho acompanhando, há mais de 20 anos, as modificações que estão sofrendo os afluentes do Tocantins, pelo lado maranhense, do município de Estreito ao de Açailândia, e tenho constatado o quanto esses rios tiveram diminuídos os seus volumes de água, assunto que será objeto de um próximo artigo.
A revelação é assustadora e nos chama a atenção para a necessidade de que o programa governamental prometido pelo Sr. Flávio Dino, vá muito além de instalar adutoras no sistema Italuis, e torneiras em residências da capital e do interior do estado. É preciso que o programa contemple também a recuperação das bacias hidrográficas, ainda que isso seja feito em cooperação com o governo federal.
E não se trata de exagero, tal realidade já é percebida aqui, às nossas vistas, é só descer as barrancas do Tocantins para observar como o nosso outrora majestoso Imperador, que imaginávamos permanente como o oceano, está quase seco. É isso aí, Senhoras e Senhores: o Rio Tocantins está secando! E não se trata de um fenômeno cíclico, porque isso nunca ocorreu antes. Igualmente, essa seca não se dá em consequência da estiagem prolongada, que ocorreu neste ano de 2015, não. Ela é a consequência do uso predatório do solo nas fazendas de pecuária, que desmatam tudo para a plantação do capim brachiaria, como também nas grandes áreas exploradas pelo agronegócio, onde foram destruídos os biomas para a plantação da soja e do eucalipto. Onde se desmataram as coberturas vegetais das margens dos pequenos rios, fazendo com que as águas evaporassem, o que se deu com o auxílio da erosão provocada pelo pisoteio do gado.
Um rápido sobrevoo sobre o curso do Rio Tocantins nos mostra a situação alarmante em que se encontra a nossa maior fonte de águas. Enormes elevações de areia em cerca talvez de 50% do leito ou mais, são vistas, dando a dimensão da tragédia que se abate sobre nós.
Será que só iremos nos aperceber dessa situação quando o rio secar completamente? Aí já será tarde, nada mais se poderá fazer. E como viveremos sem água?
É preciso, com muita urgência, criar reservas florestais em áreas nativas de todos os biomas e recuperar as nascentes dos rios que formam as bacias hidrográficas do Estado, inclusive a do rio Tocantins que abastece grande parte da região sul do Maranhão, se quisermos evitar a tragédia que se anuncia.
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