Meus amigos.
Pode o empregador atribuir estereótipos depreciativos a seus empregados sem sofrer qualquer consequência por essa conduta discriminatória?
Até bem pouco tempo a falta de respeito para com a pessoa dos empregados era tolerada, entretanto, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, certas situações até então toleradas no ambiente de trabalho são hoje consideradas atentatórias à dignidade do trabalhador.
Tendo em vista esta alteração legislativa o Tribunal Superior do Trabalho pelas suas 7ª e 3ª turmas condenaram duas empresas ao entendimento que as ofensas perpetradas contra os trabalhadores que por suas origens receberam o estereótipo de "baiano preguiçoso" e "árabe sujo". Vamos aos casos.
Com efeito, um trabalhador contratado pela TVA como vendedor de pacotes de assinatura, disse que seu supervisor "cobrava metas impossíveis e acima do razoável", e, quando havia algum equívoco em suas vendas, perguntava, de forma discriminatória, "se ocorreu alguma 'baianada'", além de ofendê-lo com expressões de baixo calão. Testemunhas ouvidas no processo confirmaram o tratamento desrespeitoso: o supervisor fazia comentários alusivos à origem do vendedor, chamando-o de preguiçoso e oferecendo uma rede para descansar. "O supervisor ´pegava no pé' dele por ser baiano", afirmou uma das testemunhas.
Julgada procedente a reclamação tanto pela Vara do Trabalho e confirmada a condenação pelo TRT da 5ª Região (BA), recorreu o trabalhador ao TST, sustentando que o caso configurava discriminação racial no ambiente de trabalho, e que o valor de R$ 4 mil inicialmente arbitrado não compensava a humilhação, o constrangimento e o abuso de poder sofridos.
A 7ª Turma do TST seguiu a proposta do relator, ministro Cláudio Brandão, de aumentar a indenização para R$ 10 mil. "Não se admite que o ambiente de trabalho seja palco de manifestações de preconceito e que não se observe o mínimo exigido para que as pessoas - empregadas ou não - sejam tratadas com respeito próprio de sua dignidade", afirmou o relator.
Para o ministro Cláudio Brandão, "a grande questão não está na designação de 'baiano', mas no que o fato em si representa". A relevância, segundo ele, "está na suposição, partida de algumas pessoas, de que são superiores a outras e na 'coisificação' do ser humano; de que a condição pessoal de alguém lhe impinge determinada marca que pode ser utilizada como sinal de distinção pejorativa no grupo social no qual convive". O que está em jogo, destacou, "é o menosprezo, o descaso com a condição humana".
Cláudio Brandão afirmou que a intenção é que deve ser investigada e, "uma vez comprovado o intuito depreciativo, merecer a mais ampla repulsa do Poder Judiciário", como forma de coibir todo e qualquer preconceito, seja ou não no ambiente de trabalho.
Além da indenização, a 7ª Turma adotou uma decisão inédita: determinou que o inteiro teor da decisão seja divulgado a todos os empregados, por meio eletrônico ou equivalente, "como medida suasória para evitar comportamentos que tais, diante de sua gravidade, em virtude da necessidade de se agregar à decisão judicial instrumentos aptos a torná-la efetiva." A medida tem fundamento no artigo 461 do Código de Processo Civil, que autoriza ao juiz determinar "providências que assegurem o resultado prático" da decisão.
Já o caso em que o empregado era chamado de "árabe sujo" deu-se entre a Doux Frangosul Agro Avícola e um trabalhador, nascido no Congo que foi contratado para fazer o "abate islâmico", ou halal, método religioso que consiste no degolamento manual das aves, em vez da utilização de facas ou máquinas. Na reclamação trabalhista, ele relatou que ele e seus colegas muçulmanos eram humilhados e discriminados. Além de serem chamados de "árabes sujos, molengas e imprestáveis", disse que era agredido pelos chefes do setor, que arremessavam contra ele os frangos mortos, cheios de sangue, toda vez que havia algum corte irregular ou quando a meta diária não era alcançada.
A 3ª Turma, com base no quadro descrito, entendeu evidenciado que o tratamento humilhante e discriminatório dispensado pelos fiscais "extrapolou os limites do aceitável", caracterizando o assédio moral. O ministro Alberto Bresciani, relator do recurso, afirmou que é obrigação do empregador "respeitar a consciência do trabalhador, zelando pela sua saúde mental e liberdade de trabalho, sua intimidade e vida privada, sua honra e imagem", impedindo a ocorrência de práticas que o exponha a situações "humilhantes, constrangedoras, ridículas, degradantes, vexatórias, tendentes a incutir na psique do trabalhador ideia de fracasso decorrente de uma suposta incapacidade profissional".
Até a próxima.
Comentários