Phellippe
Respeitável público, senhoras e senhores. Pintemos o rio Tocantins de vermelho. As árvores que sejam enfeitadas com cruzes mal feitas, com riscos de canivetes enferrujados. Os novos prédios que distorçam suas construções por um momento, que a megalomania das grandes empresas interrompam por alguns segundos o seu progresso. Vamos aplaudir, senhoras e senhores, o retrocesso, o descaso, a ignorância mental. Que os novos loteamentos e condomínios finjam-se de cemitérios. Imperatriz perde um artista pela maior qualidade que tem a sua violência, em estima sempre, pela notoriedade nacional. Iron Vasconcelos, ator, palhaço profissional e professor, foi baleado com seis tiros na porta de casa. Isto não tem graça. Imperatriz não tem graça há muito tempo. Iron, de 38 anos, voltava de moto, na companhia da esposa, do show católico realizado na Expoimp, quando dois homens em uma motocicleta de cor branca se aproximaram do casal e começaram a disparar contra ele. Quatros tiros acertaram as costas do professor. Ele tentou correr, mas logo caiu no chão. Silêncio no picadeiro. Os assassinos chegaram mais perto e efetuaram mais dois tiros na cabeça dele. Morte do riso. Segundo a polícia, não foi anunciado assalto, nem levaram nada da vítima, a não ser a alma, os sonhos, a vida, a presença paterna, o marido. Os bandidos não tentaram atirar contra a esposa de Iron, que saiu correndo, pedindo socorro. Pedindo socorro pra quem? Contra quem? O desespero é o caminho que se percorre. Você grita alto, muito alto. Você berra. Mas, quando percebe, o único que consegue te escutar é apenas você mesmo. O estampido da pistola é o som mais vivo que revigora na memória.
Iron Vasconcelos deixa filhos e esposa. Deixa no colo dos alunos de escola o ensino, o conhecimento aplicado de maneira diferenciada. Iron deixa nos aniversários infantis, festas de formaturas e eventos a maquiagem borrada de lágrimas, os olhos vendados, o nariz vermelho derretendo como sangue e o pranto pranteando o sorriso clássico que alegrava por onde andava. Deixa na marca da sala da sua casa a lembrança infeliz de que foi assassinado pela covardia brutal dos costumes infames de Imperatriz. Apesar de não sabermos os motivos que levaram à execução, provavelmente supomos que a doçura de pessoa que mostrava ser Iron não seria capaz de prejudicar ninguém. Claro que por trás de um sorriso, até mesmo de um artista, sempre há mistérios. Cada um de nós tem segredos infinitos, como as profundezas do mar. Mas o que mais sabemos é que não justifica a barbárie quando se trata de sujeitos como o nosso querido palhaço. Ultimamente, as manifestações do povo de Imperatriz vêm conseguindo conquistas razoáveis. Mesmo que de forma efêmera, faixas e cartazes conseguem um resultado positivo se conduzidos corretamente, sem agredir ou machucar, provocando ações e não situações de risco. Alunos, amigos e conhecidos de Iron! Clamemos por justiça para que este caso não seja mais um perdido nos milhares de processos que correm, ao longo dos anos, manchados de sangue. Pintem a cara de palhaço sempre que puderem e lutem para que nada caia na morosidade. Pintemos o rosto de palhaço que chora e levantemos o braço e o bardo, pedindo alegria e segurança para nossa cidade. Como todo artista, Iron poderia ser Iron-Man. Revidaria e em seu traje supersônico ricochetearia as balas nos vagabundos. Mas Imperatriz não é uma fantasia. E isto não tem graça. Imperatriz não tem graça de se viver há muito tempo. E agora, depois da morte de Iron Vasconcelos, o sorriso de quem o via será meio torto, meio sem cor. Que os céus façam festa para tua chegada, Iron. Por aqui, a gente continuará te aplaudindo.
Phelippe Duarte
Cronista e poeta
Edição Nº 14754
(Você poderia ser) Iron-Man
Phelippe Duarte
Comentários