Quando falamos em família, a situação muda completamente de figura. São figuras que estão presentes o tempo inteiro. Figuras que estão ao nosso redor e que, apesar do cotidiano transformar a família num templo de pessoas comuns, são estas mesmas pessoas comuns que são imprescindíveis em nossas vidas. Em alguns momentos, percebemos quando o imprescindível torna-se saudade. Quando um pedaço da família se vai, ou se desmancha aos nossos olhos, ficamos atônitos. O mundo real não interessa. O que nós temos ou conquistamos não interessa. O cotidiano, desinteressa. As pessoas comuns mostram a verdadeira face. Elas nos tornam incomuns, especiais. Porque são perfeitas ao nosso coração.
Algumas semanas atrás, em Goiânia, um casal parou num sinal, estavam de moto. O rapaz pilotando, a moça atrás, grávida de 08 meses. Na velocidade que vinha, o caminhão não conseguiu brecar e acertou o caminhão da frente. Com o impacto, o caminhão passou por cima do casal. A criança saiu de dentro da mãe com a força da batida. A mãe faleceu no mesmo instante e o pai poucas horas depois, na UTI. A criança? Sobreviveu. Milagrosamente, o acidente deu vida e não apenas morte. Com a clavícula fraturada e um pequeno arranhão, a criança nasceu saudável. O avô, inconsolado, não sabia se comemorava o nascimento do neto. Estava sem palavras, chocado, num estado de catarse sem volta. Então veja: uma família destroçada pelo cotidiano do tráfego. Uma criança nascida pelas mãos de um pneu de caminhão. No leito de uma avenida na parada de um sinal. No dia em que nasceu, perdeu os pais. Qual o sentido da vida?
Observe a sua volta neste momento. Aonde está sua família? Não me responda de uma forma filosófica ou poética: “Está dentro de mim”. Não, eu quero saber se está aos seus olhos, do seu lado. Se você infelizmente foi acometido por uma fatalidade, saiba que sim, eles ainda estão ao seu lado, como espíritos de luz em forma de proteção. Guias que iluminam o coração, calcando a sua trajetória. A sua família, que o cotidiano transforma em pessoas comuns, é a força que não desaba diante o desabamento.
Depois de dois domingos sem escrever, observei vários acontecimentos que marcaram o Brasil. Este acidente da criança me chocou. Me chocou muito mais hoje do que em um distante ontem, quando eu não tinha meu filho Benício. Vejo e analiso o mundo de outra perspectiva. As coisas não são mais normais depois que você vira pai. Tudo está relacionado ao seu entendimento como homem, como pai.
Em Imperatriz, a morte de Ribamar Cunha deixou órfã uma família grande. Todos o viam como pai. Deixou filhos e netos estarrecidos com sua partida inesperada. Eu, particularmente, tive um breve convívio com ele. E talvez, acredito eu, no momento de maior tristeza de sua vida, quando perdeu a sua esposa Didi, eu o admirei. Num momento de dor, eu admirei um chefe de família. “O amor da minha vida se foi”, dizia ele, aos prantos, no mesmo cemitério, em que agora repousa. Admirei, porque independente do mundo e do que eles nos oferece, de repente as pessoas comuns aparecem como as pessoas que são os amores das nossas vidas. Ribamar Cunha foi o amor da vida dos seus filhos e netos. A dor no rosto dos familiares que se viam todos os dias era nítida e demonstrava tal certeza que tive.
A família é tudo o que temos. É tudo o que somos. Somos comuns.
Mas somos amor, acima de tudo.

Phelippe Duarte
Cronista e poeta