Não esqueci de você, Whitney.
Seria melhor o silêncio ao talento? Desistindo de comentar assuntos pessoais, e sim focando no que Whitney Houston representou para a música, para o dom (ela foi um novo conceito de dom), é de se esperar mais homenagens do mundo. Não há compreensão do que essa mulher era capaz de fazer, além de se drogar. Ela é a Elvis do mundo feminino, em termos de voz.
Choca a notícia da morte de mais uma estrela como Houston. 30 anos de carreira, 07 álbuns lançados, mais de 400 prêmios ao longo da carreira. Morreu dentro de uma banheira, em silêncio, sem dizer adeus a ninguém. Analisando a questão vida e morte, ficamos inerentes, meio que aptos a captar o destino que nos é reservado, ou acomodados com a certeza de que sempre acordaremos na manhã seguinte. Profundamente, a questão é um tanto filosófica e não menos chocante. A mulher mais sensacional musicalmente no mundo deixa-nos a seguinte mensagem como tantos outros que se foram dentro de uma banheira, afogados no próprio vômito, ou sentados numa privada, como Elvis: Ser famoso não é certeza de felicidade.
Os problemas de Whitney foram os problemas mais comuns de uma mulher drogada. Violência doméstica, filha rejeitada não por ela, mas pela confusão causada pelo vício da cantora e silêncio. Silêncio por não delatar o vagabundo do marido, que agora tenta se aproximar da filha pela herança de Whitney. 20 milhões de dólares. Ridículo para quem teve o quíntuplo disso, ou mais. As drogas matam, ferem a alma. Em recente entrevista, Houston afirmou que os vícios com álcool e outras drogas acabavam com sua voz. Mesmo assim, nas suas últimas apresentações, a voz parecia algo mais divino do que o normal. Músicas como I Have Nothing, do álbum Guarda-Costas, faziam a voz da estrela alcançar notas assustadoras do ponto de vista do dom. Do simples dom, mudado por ela.
O que me faz lembrar, em meio a essa deturpação musical que vivemos, um pouco da voz estarrecedora da cantora desaparecida é a menina Adele, de 23 anos de idade. Uma junção de Whitney Houston com Amy Winehouse. Nunca em outro estado de apreciação letrista ou de um simples arranjo numa música, me deparei com uma mulher capaz de surpreender e hipnotizar o mundo com o abrir da boca e o cantar da garganta. Adele vai longe, muito longe. No último prêmio dos críticos musicais, levou quase todos os Gramys. É linda e firme. Coisa de gente grande. Whitney nos deixou em boa voz.
Por aqui, no Brasil, não há mais espaços para grandes vozes. Há espaços para letras idiotas, que declinam para o lado do sexo, da baixaria, da porcaria. E rodam o mundo todo. Michel Teló, um cara que sempre achei chato e agora cresceu no meu conceito por ser uma delícia de chato, tem shows marcados por toda a Europa. O ritmo pega, a sensação da música Delícia virou até tema de coreografia de times como o Real Madrid e Barcelona. Virou música em cada canto do planeta. Se você procurar no youtube, verá a letra incrível sendo cantada em vários idiomas. Se Michel Teló morrer no mesmo dia de Chico Buarque ou Roberto Carlos, não sei qual será o funeral transmitido pela Rede Globo.
Whitney foi embora aos 48 anos e viveu a verdadeira delícia de ser um dom. Resta ao mundo viver de migalhas musicais ou de absorver músicas retardadas.

Phelippe Duarte
Cronista e poeta