Na filosofia e nos casos mais ricos que ela se propõe a nos ensinar o não-óbvio, ficamos estarrecidos quando notamos que a filosofia não somente é o óbvio das coisas abstratas. Não que seja simples, mas está o tempo todo à nossa frente e não enxergamos. Como a vida que é tão surpreendente quanto atraente, tão insinuante quanto às vezes pedante, consigo mesma, nos fazendo, por vezes, atabalhoados. Assim são as nuances, os antagonismos. O outro lado da face, a cara e a coroa da moeda. O signo de gêmeos, gêmeos, que não se veem. Nuances que numa reta viram uma curva, que mostram que a vida pode ser tão incrível quanto fatal.
Antagonismo este que declara-se inerte ao ver que a vida nunca é e nunca será igualitária. José Maria Marin, ex- presidente da CBF, é um dos exemplos que cito. Aos 83 anos, depois de ter vivido todas estas décadas inseridas em sua vida, de repente, vê-se usando uma tornozeleira eletrônica para não ter que sequer pensar em andar sem ser seguido pela polícia. Acusado de corrupção dentro da FIFA, aos 83 anos pagou uma fiança de 1 milhão de dólares e penhorou 57 milhões de reais em bens que, em dólares, está na média de 15 milhões. Pago a fiança, Marin irá descansar em Nova York, no arranha-céu de 68 andares na 5ª Avenida. Bem localizado, Marin estará em seu apartamento no Trump Tower, a duas esquinas do Central Park e a muitas milhas de km do seu inferno astral aqui no Brasil. Chamam de prisão domiciliar o apartamento de Marin na Trump Tower, um dos prédios construídos pelo magnata e hoje atual candidato à presidência americana, Donald Trump. Prisão domiciliar...na filosofia, poderíamos dizer que o preso não está preso em sua consciência ou vã idealização do que é liberdade. Está preso no que chama de casa, onde o Sol aparece em todas as janelas. Marin adquiriu sua futura prisão domiciliar em 1989, pela bagatela de 900 mil dólares à época. Talvez já previsse que, aos 83 anos, poderia ser preso por suas falcatruas. Marin pode sair da sua humilde prisão apenas para o médico ou para a igreja. Logo, poderá ir a uma pizzaria e tudo ficará bem.
DO OUTRO LADO DO MUNDO, um avião na capital do Sudão do Sul, Juba, caiu matando ao menos 36 pessoas na aeronave e no solo. O número de mortos ainda não foi confirmado até o envio desta crônica, porém um policial que chegou ao local disse ter contado 41 corpos. No meio dessa fatalidade em que a vida presume-se, mostrou a curva da reta, uma menina de 14 meses sobreviveu. Nyloak Tong estava a bordo e teve ferimentos, que já estão sendo devidamente cuidados. O avião caiu às margens do Rio Nilo Branco, pouco depois de decolar. O Sudão do Sul é um dos países menos desenvolvidos do mundo e vive em uma guerra civil desde dezembro de 2013, apesar de declarar sua independência em 2011. Nessa confusão toda, sobrevive a menina Tong. Numa loucura total da vida, num exemplo do épico sexto sentido, a criança é a única que respira no meio de tantas pessoas caídas. 14 meses de vida e uma história que poucos no planeta têm, mesmo com 83 anos de idade, como Marin. O recomeço da vida de um lado com a menina Tong e o início do fim para Marin, de 83 anos, preso na sua vida perfeita, mesmo que manchada. O antagonismo é impactante, surreal e real. Mostra uma teoria do caos ou um colapso atemporal, capaz de ser injusto e justo ao mesmo tempo.
Ao ver Marin comprometendo a sua herança de 15 milhões de dólares para ficar preso dentro de um dos prédios mais espetaculares de Nova York, vizinho inclusive de Cristiano Ronaldo, tendo academia, serviço de camareira e o escambau para sentir-se livre, eu imagino que a injustiça procede, mas perde força, quando vejo a menina Tong sobreviver a um acidente de avião e voltar viva para uma guerra civil sem fim em seu país, sem os seus pais.
A menina, na minha filosofia barata, é mais livre do que Marin e sempre será. Pois a maior prisão que a vida proporciona é quando, aos 83 anos, você precisa declarar inocência para o mundo inteiro, com todos os fatos conspirando contra si. E a criança Nyloak Tong renasce uma heroína, mostrando em sua total inocência, que tem uma chance justa de viver, sofrendo, mas com a certeza de que mereceu esta segunda chance divina. Dentro das explicações óbvias da filosofia da vida, a maior guerra civil é a que vive José Maria Marin, sem enxergar uma segunda chance, sem enxergar qualquer curva na reta.

Phelippe Duarte – cronista e poeta