O coelhinho da Páscoa, passando pela beira-rio, notou que algo estava errado. As árvores estavam secas, a grama amarelada. Olhou para o rio. Fez indiferença. Pensou: “Esteve mais limpo”.  O danado do coelho conhecia cada palmo deste chão. Sabia as necessidades da cidade.
Voltando pelas peixarias, que pescam ouro, achou uma cartinha jogada no chão. O cheiro de codorna esta impregnado no papel molhado, com tiras de sal e de cascas espalhadas.
O primo primeiro do Pernalonga, começou a ler:

“Odeio quando saio à rua. Meus pés estão comidos pelos buracos, e de tão surrados, procuram algum jazigo para sobreviver. Isso mesmo: um jazigo para sobreviver. Descalço, nem comando minhas pernas. Elas tremem de frio e de fome. Tento vender ovos de codorna para o pessoal que gosta de sair a noite, mas muitos me tratam como o cachorro do Homer Simpson. Eu insisto, tenho que comer. Eu tento não ser chato, mas o barulho que minha barriga faz, é maior do que o som do carro dos playboys, que de tão tapados que são, preferem lustrar o rodão do carrão ao tentar beijar uma gatinha. Melhor vender ovo do que ser otário. Caminhando contra a correnteza do rio, eu espero mais uma noite cair. Meu pai, um aproveitador barato, bate na mamãe todas as noites. Tenho medo de sair de casa. Mas tenho que colocar comida na mesa, pois de um jeito ou de outro, meus pés precisam me segurar. Quando chego, mamãe está cansada, e me diz que nesta Páscoa vai me dar um presente. Eu pergunto:” Mamãe,o que é a vida além do ovo de codorna ou o ovo de Páscoa? Ela ri e diz: “Meu filho, é o tempo em que o Senhor Jesus fica muito mais pertinho da gente”. Eu tento acreditar todos os dias. A miséria em que vivemos faz com eu penso muitas bobagens. Mas no final das contas, eu sei que tenho saúde porque Deus sempre está comigo.
Mas a minha vida vai melhorar. Eu tenho fé que vai. Vendo bem, dá pra tirar uns 20 reais por noite, às vezes até 50! Juntando alguma coisinha, vou comprar meu caderno, um lápis e procurar alguma escola. Se esta folha já deu pra escrever até aqui e isso tudo que penso, imagino que com um caderno inteiro e um professor, a minha vida seria bem diferente”.
O coelho da Páscoa lia e relia o texto centenas de vezes. Lia e se perguntava: “Eu realmente existo? Quem sou eu, a não ser um símbolo, uma logomarca colorida?” São tantas crianças com fome, tantos meninos sem educação...Quanta crueldade! De repente, ele o rabo puxado.

-Vai um ovo aí?
Ele viu quem era, largou a cenoura e chorou.
-Acha que só você que ganha grana com ovo, velhinho?

O menino assustado, acordou. Viu que estava puxando a roupa de um playboy que estava com som na maior altura. Levou um tapa. Afastou-se, e voltou pra casa, para cuidar de sua mãe e imaginar que um dia, pode ter sim, um futuro melhor.
E pode ser muito mais do que um vendedor de ovo de codorna na beira-rio.

Phelippe Duarte Feliz Páscoa!