O Natal me parece hoje mais uma embalagem de prateleira. Nos produtos, a disponibilidade sem estoque sobra para o amor. No preço, a desigualdade da busca pelo sucesso rumo ao capitalismo necessário, fútil, para os falsos socialistas. No desconto, o único prazo para um rápido "feliz natal" e um "até o próximo natal". Você lembra de comprar presentes. Mas lembre-se que o natal é mais do que dar presentes. Presentes você dá quando pode dar, sem precisar de datas sazonais. O natal fomenta o mercado, turbina as vendas, gera empregos, rendas. E o sonho do natal belo, em qual cabeça ele anda rondando?
Dificilmente ou até tragicamente, eu ando meio desinformado se ainda há crianças que acreditam na boa e gostosa lenda de que por essas bandas existe um senhor vestido de vermelho carregando um saco grande e anda voando em cima de uma carroça guiada por um monte de bicho igual. Minha desinformação terminou na semana passada. Várias crianças, sonhadoras ou não, enviam cartas para os Correios, justamente para o tal do Papai Noel. Muitas pedem um brinquedo, algumas pedem cestas básicas, outras nem escrevem, conversam. O sonho é realizado quando um grupo designado dos Correios lê as cartas e realiza a entrega. Uma forma recíproca de dizer que o sonho do Bom Velhinho existe. Sustentar essa lenda é dar esperança, e não simplesmente o carrinho de brinquedo que a meninada pede. Manter vivo o sonho de que existe alguém dando presentes para uma infinidade de meninos que se comportaram não é requerer disciplina ou qualquer sentimento puritano e inocente. É alimentar o dia a dia de algumas dessas crianças, às vezes nem tem o que comer. Não dá pra sorrir tendo o prato como espelho da miséria.
Portanto, o natal deve ser e precisar ser maior do que uma vaidade presencial. Considera-se que a vaidade é o giro do capitalismo, enquanto a soberba defeca jorros de inutilidade. Não diferente, a divisão triste da sociedade é vista como uma certa forma de segurança, até mesmo no natal. Lojas populares, lojas elitizadas. Nada mais justo do que aceitar que o mundo é injusto e muitos de nós separamos inconscientemente nossa vida dessas penugens sociais. Obviamente, carregamos o fardo de sermos reais produtos. E como tais, tratamos as datas como produtos e embalagens. Pessoas se revestem todos os dias com a petulância da qual não é obrigação nem conduta ser peculiar. Se soubéssemos que só nos basta a humildade e o respeito, a sociedade andaria de mãos dadas. Ou, ao menos, o dedo mindinho entrelaçado.
Somos pequenos perto da grandiosidade que é o natal. Em 2013, eu posso estar falando das mesmas coisas, no mesmo período. Vai ver que nada mudará. Ou, então, temos que perceber que esta mudança radical de padrões natalinos foi a melhor situação que poderia ter ocorrido. Viver de uma lenda não é crime. Roubar sonhos é uma realidade. Aguçar a vaidade de um ser humano e domesticá-lo com os preços da época natalina é que deve ser considerado um crime. Mas desde quando o natal é um presente, alguém se importa com outra coisa? O maior presente é estar em família. Ninguém rouba de mim a realidade de amar. E ninguém tira de nossas crianças o sonho de que existe alguém que se importa com elas e que fará de tudo para lhe dar presentes, mesmo que seja o carteiro ou um bom samaritano. Mais forte do que uma inutilidade capitalista é o abraço e o beijo no rosto que recebemos. Vou deixar de ser um pretenso sonhador de que algum dia o presente será menor do que o amor suspirado do natal. Nem todas as pessoas são assim. Como nem toda pessoa é um ser humano.
Feliz Natal. E se não me derem presentes, eu me contento com essa grande falta de sorte que é ter um amor de família por perto. Acredito em Papai Noel.
E ainda acredito nas pessoas.
Phelippe Duarte Cronista e poeta
Edição Nº 14587
Ainda acredito nas pessoas
Phelippe Duarte
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