A fumaça de limpeza é a mais antiga e é também a mais popular – celebrada pelo líder espiritual com funções e poderes de natureza ritualística plena.
Naquele momento, tive a esperteza de participar e frequentar um trabalho num templo em que seus mistérios fossem vistos – maior plateia de políticos, casamentos encaracolados, namoros emperrados, sogras dando ordem dentro de casa, e assim por diante. Tudo procurando solução.
O único objetivo dos espectadores e clientes era verem o clareamento de sua estrada bem carroçável no que tange os problemas insurgidos na vida de cada um, ao ponto de pedir um Tranca-Rua para desembaraçar sua situação no cotidiano.
E o pior: eram pessoas fragilizadas e o espírito, pelo visto, precisava urgentemente de luz e ajuda vinda pelas obras e graças de São Cipriano, o padroeiro dos terreiros.
Cada terreiro de mediunidade aflora espiritualmente, diferem uns dos outros. Uns mais fortes, outros brandos, e aquele que a exuzada é pesada e carregada no banquete despachatório.
Quando as três almas pretas que acompanham São Cipriano se manifestam ardorosamente, sai de baixo, porque vem chumbo grosso!
Minha aparição nesses terreiros foi por curiosidade simplesmente. Até porque meu corpo é fechado para receber a fumaça espiritual. Segundo eles.
No observatório e no confessionário do processo de cura, de mudança, de conquista, o exu-chefe, já investido de seu poder e com toda sua maestria, executa seu trabalho; muitos pacientes desmaiam pelos tratamentos fisioterápicos que recebem.
Para cada cativante do mandingueiro, cria-se um “diabinho” para ter tudo o que deseja. Como uma espécie de figa. Huuum!
Diligente ao trabalho dos espertos protetores donos de terreiros, fiquei a matutar e a me perguntar: “Se o pai de santo tem poderes espirituais para mudar a rotina de alguém do pior para o melhor, e do melhor para o pior, de quem é tendencioso e crente de sua divindade, por que não cura a si mesmo?!”.
Olha que tem cacique, chefe da área de terreiros mais quebrados do que xerém, estrangulado, precisando de cura e de fortalecimento. Ora, se eles têm poderes, porque não resolvem suas próprias angústias?
Na ilha assombrada que anda cheirando incenso de terreiro, e num destes famosos, em pleno trabalho pediu a uma cliente uma garoupa para comprar congêneres que diziam respeito ao seu tratamento.
Não gostou do pedido do macumbeiro e disse: “Se tivesse essa garoupa, tinha procurado era um médico e não um guia espiritual”.
Aí o bicho pegou! O exu resmungou e não gostou do que ouviu: “Então vou te jogar uma praga. Você vai ter dor de dente durante 3 dias e 3 noites seguido pelo desrespeito à ordem celestial”.
Depois da repreensão do mandingueiro, a senhora deu uma risada daquelas sem intervalo, tirou as “pererecas” (dentaduras) da boca, falando: “Na de cima ou na de baixo, senhor macumbeiro!”.
Mas a vida profana é isso mesmo. Quem calça o sapato, sabe onde ele aperta. E o pior: onde faz o calo.
O mundo é cheio, aliás parece uma caieira de tanta fumaça espiritualista em busca de soluções.
Quem é adepto tem que saber do refrão: “De tanto cair, você aprende a derrubar”.
Na parede do altar do templo está escrito: “Sou macumbeiro da testa de bode, meu corpo é fechado. Comigo ninguém pode”.
Bom domingo, sem despacho e fumaça. Vote bem... No mel
Edição Nº 15124
Fumaça espiritual
Nelson Bandeira
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