Causo XXX – Reminiscências – homenagem especial a Acaraú
Nestes meus já quase 64 aninhos de vida, viajando pelos “cafundós do Brasil a fora”, jamais, em momento algum, esqueci aquele “pedacinho” distante a 255 quilômetros de Fortaleza, que tem o nome de Acaraú, palavra de origem tupi, cujo significado é “Rio das Garças”. O município de Acaraú tem uma área de 842.884 km², localizado na região norte/poente do Estado do Ceará, e foi criado no dia 31 de julho de 1849. Recentemente, estive em visita à minha querida cidade, visitando alguns velhos amigos, os distritos de Aranaú (já citado em um dos causos anteriores), distante a 24 quilômetros; de Juritinhanha, a 10 quilômetros; banhando na lindíssima e ainda pura Lagoa da Pinguela, a 37 quilômetros; e, finalmente, recebendo os afagos do mar na Praia da Arpoeira, distante apenas a 9 quilômetros do centro da cidade.
A cidade de Acaraú é aconchegante e hospitaleira, possuindo uma das igrejas mais bonitas do Brasil, a matriz de Nossa Senhora Imaculada Conceição, e vários prédios antigos e históricos, como a Escola Normal Virgem Poderosa, a Biblioteca Municipal Poeta Nicodemos Araújo, a casa onde nasceu o Padre Antonio Tomas, “o príncipe dos poetas cearenses”, entre tantos outros, e para mostrar que acompanhou o ritmo alucinante do progresso, a cidade conta com a “TAVERNA DO PAULO”, um local agradabilíssimo, onde o visitante saboreia todos os tipos de mariscos, a um preço bem ao alcance do seu bolso.
Na minha época de adolescente e estudante, residente em Fortaleza, na Rua Barão do Rio Branco, 2181, sempre tinha uma “folguinha”, viajava para Acaraú. Algumas vezes, eu e o meu grande amigo conterrâneo Gerardo Andrade, hoje conceituado contador estabelecido na Galeria Pedro Jorge, após assistirmos a uma vitória do nosso querido Ferroviário Atlético Clube no Estádio Presidente Vargas, íamos com as nossas “tanias” comemorar aquela conquista lá na “terrinha”. A viagem, feita em um possante “Corcel” de propriedade do Gerardo, era uma verdadeira farra: muita bebida, muita irresponsabilidade! Graças a Deus, nunca nos aconteceu nada.
Para demonstrar o quanto amo Acaraú, não o esquecendo um só momento, no dia 21 de abril de 2002, por ocasião da fundação da ACALANTO – Academia de Letras de Araguaína e Norte Tocantinense, sendo eu um dos seus membros fundadores, ocupando a cadeira de número 2, fiz questão de colocar como patrono da referida cadeira o poeta acarauense Padre Antonio Tomas. Lembro-me bem que na hora em que eu apontei o poeta como patrono, alguns confrades confessaram não o conhecer, mas logo contei com o apoio do meu colega fundador da ACALANTO, médico e escritor Murilo Bahia Brandão Vilela, que incontinenti recitou alguns sonetos do poeta, entre eles “Contraste”, “Eva” e “Acaraú”.
E é justamente publicando tal soneto do querido conterrâneo que homenageio Acaraú e rememoro algumas personalidades “de tempos idos que não voltam mais”, a começar pelos meus pais Benjamim Sturdat Gurgel e Olga de Sales Lopes Gurgel, o monsenhor Sabino Feijão (meus padrinhos de batismo e crisma), o poeta Nicodemos Araújo, o Major Bião, o “seu Maturino”, e como a memória me é falha, não podendo citar nominalmente a todos, encerro a relação citando o padre Osvaldo Chaves, que por sinal é o autor de uma das mais belas poesias que li em toda a minha vida, homenageando a querida Lucidia, filho do tabelião “Sassico”, que faleceu afogada em plena mocidade. Ainda recordo os últimos versos deste poema: “Tu matastes Lucidia, oh mar cruel / E o mar me respondeu: Lucidia não morreu / Lucidia está no céu!”.
Recorde o soneto “Acaraú”, do padre Antonio Tomas.
Acaraú
Revejo em sonho a terra estremecida
Do Acaraú... seus vastos taboleiros
A minha casa, os belos companheiros
Que lá deixei na hora da partida
Vejo o Mercado, as Pontes, a Avenida
O Rio, o Porto, os Mangues altaneiros
Ouço o rugir do vento nos coqueiros
E, além, do mar queixoso e voz sentida
Do velho sino os graves tons escuto
E lá do torreão no cocuruto
De andorinhas avisto inquieto bando.
Entro na igreja – minha igreja outrora
E vejo em seu altar Nossa Senhora
Com seu olhar piedoso me fitando.
Vários fatos acontecidos na minha infância, em Acaraú, como o caso do meu primeiro picolé, já contado aqui, poderiam ser narrados nestas minhas reminiscências, mas vou citar apenas um, que é para encerrar este capítulo que tem o número XXX, e consequentemente “fechar com chave de ouro” - me desculpe a falta de modéstia - este livro.
Na época eu tinha entre 8 e 9 anos de idade e morava na Praça da Matriz (Rua do Quadro), vizinho ao prédio do Cine Recreio Familiar, onde atualmente funciona a Biblioteca Municipal Poeta Nicodemos Araújo. Um certo dia Acaraú recebeu a visita do bispo diocesano de Sobral, Dom José Tupinambá da Frota, que iria presidir a solenidade de crisma nas crianças ainda não crismadas. Meus pais já tinham convidado o dentista local, doutor Nestor, para ser o meu padrinho de crisma, mas ao tomar conhecimento do fato, fui correndo até a residência do senhor Vicente de Paulo Araújo, proprietário do Cine Recreio, e lhe afirmei que o meu pai e minha mãe o convidavam para ser o meu padrinho, tendo ele aceito o convite. A partir de então, durante as manhãs e tardes dos sábados e domingos, eu ficava a evitar qualquer contato com o meu padrinho, pois à noite, quando o Cine Recreio começava a funcionar, eu chegava até ele que estava na porta e dizia: “Bença, padim!”, e sempre ouvia como resposta: “Deus abençoe, e entre para assistir ao filme”. Era justamente o que eu mais queria. Assistir ao filme, e de graça.
Quanto ao doutor Nestor, que tinha sido convidado anteriormente pelos meus pais para o ser o meu padrinho de crisma, ele foi ser o padrinho do John, meu irmão mais novo. Só não sei é se John, quando estava com dor de dente, ia até o seu consultório lhe tomar a bênção.
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