Causo XXIX – Uma nova denominação de corno
Já tinha eu concluído esta obra literária – desculpem-me a presunção de assim denominar estas mal traçadas linhas – e, consequentemente, estar à procura de uma patrocínio financeiro e de uma editora para a sua publicação, quando surgiu a oportunidade de há muito esperada, qual seja a de retornar ao meu Ceará, e mais precisamente a de morar em um local distante de grande movimento, de preferência à beira-mar. E isto aconteceu justamente na manhã de um domingo, dia 18 de março do ano de 2007. Durante todo aquele dia e os dias seguintes, eu, Elineusa e o Marcos Tiago ficamos na estressante tarefa de colocar uma coisa aqui e outra acolá, tarefa normal para quem está de mudança, e que era interrompida apenas com a chegada/visita de um irmão, cunhado, tio e sobrinho, que ao saberem sobre o nosso retorno, após vinte e sete anos de ausência, vinham nos visitar e aproveitavam a “hospedagem” para um banho de mar no Atlântico, que fica distante a menos de cinquenta metros de minha casa. Por isso é que não me canso de agradecer a Deus por este privilégio.
Na manhã do sábado seguinte, ou seja, no meu primeiro sábado passado em Icaraí, após findar os meus afazeres domésticos, “descobri” um recanto agradabilíssimo e acolhedor, um barzinho do aposentado João Batista Almeida, popularmente chamado de “Sindicato dos Véi”, já que frequentado por honrados e honrosos “seminovos”, que após prestarem relevantes serviços ao Brasil, colaborando de forma decisiva para o progresso e o desenvolvimento da sociedade, tinham se aposentado e ali curtiam a vida jogando conversa fora, entre um e outro trago da saudável e pura “branquinha”. E como eu também era um dos membros da confraria, que “Aquilo”, como diria o consagrado jornalista cearense Neno Cavalcante, chamou de “vagabundo”, de imediato me entrosei com a turma, assinando a ficha de filiação ao tal “sindicato”, sendo agora, inclusive, um dos seus mais fiéis e assíduos frequentadores.
Além do Almeida, proprietário do bar e também o síndico do conjunto veraneio onde resido, fazem parte do grupo o já quase secular cidadão José Carlos Fonseca Sousa, bastante conhecido como “Zé Carlos da Brahma”, e viajado pelos quatro cantos do Brasil, tendo inclusive, no início do século passado, por volta da década de dez, participado como passageiro de um pouso forçado de um avião DV 10, que transitou pelas principais ruas da cidade do Crato; o não menos ilustre cidadão José de Ribamar Colaço, que embora não seja do DENIT é um “expert” emponte (tem várias delas de safena), e o seu filho José de Ribamar Colaço Junior, por sinal o único não aposentado, mas alto funcionário do Banco do Brasil (trabalha no quinto andar da agência central); o brilhante e exemplar Hidelbrando Barros Pereira, que tem duas características bem peculiares: gosta de tomar umas “branquinhas” misturadas com iogurte e água mineral com gás, e possui uma voz idêntica a do consagrado Valdick Soriano, principalmente quando canta “hoje que a noite está calma / e que a minha alma espera por ti”; o pernambucano “cabra da peste” Aldair José Menezes Loureiro, um pescador de primeira qualidade, capaz de pescar cavala em plena caatinga do Nordeste; e o Rogério, este o único que não bebe, mas que, por morar em frente ao Bar do Almeida, fica a todos os momentos das nossas reuniões a trazer os mais variados e diversos tipos de tira-gosto: panelada, buchada, feijoada. E embora ainda não resida no conjunto, sempre nos aparece o chamado “Capitão Américo”, que segundo suas próprias palavras, é neto do consagrado escritor e político brasileiro José Américo de Almeida. Este é fã incondicional da Rita Lee.
Seguindo os sábios conselhos dos mais antigos, que “macaco velho não mete a mão em cumbuca”, no meu primeiro sábado como membro daquele “sindicato”, fiquei muito mais a ouvir as histórias e os causos contados do que falar e contar alguma coisa, e ante tudo o que era ouvido, cheguei à conclusão que teria que escrever mais alguma coisa neste “O Vendedor de Ovo de Égua”, pois além de querer prestar uma homenagem a estes novos amigos, era o local – isto é, aquelas reuniões de final de semana – uma verdadeiro mina a ser explorada para a publicação de novos e engraçados “causos”.
Dois, entre tantos “causos” contados naquela minha primeira participação no sindicato, me chamaram atenção, ao ponto de ter “lapidado” e passar adiante através deste livro, que agora você, querido leitor, tem em mãos. O primeiro dele foi contado pelo patrono do “sindicato”, senhor José de Ribamar Colaço, ocorrido na década de sessenta, logo após a chamada revolução militar, Disse ele que em uma certa manhã estava em direção ao seu local de trabalho, próximo à Praça dos Mártires, também conhecida como Passeio Público, quando testemunhou uma cena que seria trágica se não fosse cômica: um pobre soldado do Exército brasileiro ia andando com uma filha pequena quando passou por um superior, no caso um sargento. Este, ao verificar que o soldado não tinha lhe cumprimentado com a continência devida, num abuso de autoridade, mandou o soldado fazer continência cinquenta vezes. E lá ficou o pobre soldado subindo e descendo a mão à testa. Nisto passou um tenente, que ao observar aquela cena, perguntou ao sargento o que estava acontecendo, com o sargento respondendo que o soldado não tinha lhe feito a continência. “Ah! Então, o senhor também não me fez continência!”, disse o tenente, ordenando: “Pois faça duzentas continências para mim!”. E lá ficaram os dois, soldado e sargento, numa sequência de continências, com o sargento recebendo uma sonora vaia dos presentes.
Já o outro caso, que por sinal dá título a este capítulo, me foi contado por um dos herdeiros do patrono José de Ribamar Colaço, no caso o seu filho Junior, como disse anteriormente alto funcionário do Banco do Brasil, uma pessoa sensacional, acima de qualquer suspeita. Se o caso é verdadeiro, não sei, mas segundo as pessoas que o conhecem há mais tempo, o Junior é o sinônimo da verdade, não mentindo nem por brincadeira. Por isto acredito que o fato agora narrado realmente tenha acontecido.
Disse-me o Junior que por ocasião de uma destas campanhas político-eleitoral, quando os eleitores dos mais de cinco mil municípios brasileiros estariam elegendo os seus prefeitos municipais e vereadores, foi ele com alguns amigos a um município próximo a Fortaleza, assistir a um debate entre os dois principais candidatos ao governo daquela municipalidade. Segundo Junior, o clima era de muita tensão, com os militantes e simpatizantes das duas facções já apelando até para a baixaria, com agressões mútuas e recíprocas, em formas de vaias e palavras de baixo calão. “Confesso que estava até temeroso, com vontade de voltar, mas os amigos insistiram para que a gente ficasse, e não teve jeito”, afirmou o Junior, dando mostras de todo o seu equilíbrio e sensatez, e ao mesmo tempo provando e comprovando o quanto é verdadeiro democrata: foi voto vencido no desejo de voltar, e humildemente aceitou o desejo da maioria.
Em dado momento, um dos dois candidatos a prefeito, perdendo a paciência, característica dos bons e verdadeiros políticos, chamou o seu adversário de DESCALCIFICADO, ao que este, na ponta da língua, retrucou: “Não vou me trocar com vossa excelência, que demonstra ser um analfabeto, já que a palavra não é descalcificado, mas desclassificado”.
Mas a emenda saiu pior que o soneto, pois o primeiro respondeu em alto e bom tom, provocando risos e gargalhadas dos presentes:
“O senhor é mesmo DESCALCIFICADO, pois não tem cálcio! Sua mulher lhe bota chifre e ele não nasce”.
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