Causo XXVII – Um raro exemplo de humildade
O causo agora narrado eu não fui testemunha ocular como tantos e tantos outros que fazem parte desta coletânea, mas a pessoa que me contou é uma fonte fidedigna, uma das pessoas mais sérias que eu tive o prazer de conhecer, um cidadão acima de qualquer suspeita, por quem tenho a coragem de botar a mão no fogo, sem temer que amanhã eu seja popularmente chamado de “Jauro Maneta”. Refiro-me ao cidadão Francisco Onildo Moreira, uma destas pessoas que, se não existisse na terra, Deus teria que nos enviar para cá. Meu amigo Onildo é um raro exemplo de pessoa humana, que embora baixinho, tem um coração gigantesco.
Aliás, o Onildo é um dos grandes injustiçados em Araguaína, pois possui uma extensa folha de serviços prestados à comunidade, sem receber o devido e merecido reconhecimento. Foi ele um dos principais idealizadores e fundadores da ACIARA – Associação Comercial e Industrial de Araguaína; foi ele o grande iniciador das “lojas maçônicas”, não apenas em Araguaína, mas em toda a região; foi ele um dos pioneiros na área da comunicação, tendo dedicado grande parte do seu tempo na instalação da primeira emissora de rádio e estação de televisão araguainense. Isto sem falar na contribuição para o desenvolvimento econômico e social da região. Os novatos em Araguaína por certo não sabem, mas os mais antigos se lembram muito bem da potência que era a “Auto Peças Padrão”, bem ali na Rua Primeiro de Janeiro esquina com a Rua 19 de Novembro, onde foi a agência do BCN e hoje é a sede do SEBRAE. Conheço muita gente que morava em Imperatriz, no Estado do Maranhão, mas fazia questão de vir comprar peças na “Loja do Onildo”.
Ao que parece, os araguainenses estão esperando que o Onildo viaje deste para o mundo melhor, para ter o reconhecimento merecido. Vale ressaltar que em todo o Brasil a história é sempre a mesma: o reconhecimento público só acontece após a morte. Morreu, o cidadão passa a ser bom, passa a ser nome de rua, nome de cidade, nome disto e nome daquilo; mas, enquanto vivo, desde que não seja do tipo aproveitador, do tipo oportunista, passa despercebido como um “zé ninguém” qualquer. O amigo Francisco Onildo Moreira é deste tipo: um raro exemplo de humildade.
Mas o raro exemplo de humildade que deu título a este “causo” não é o amigo Onildo, cuja única participação na história foi ter testemunhado o fato e me passado a frente, “sem tirar nem pôr”, como diriam os mais antigos. Na verdade, o raro exemplo de humildade é uma respeitabilíssima senhora, cujo nome eu não revelo por dois motivos: o primeiro é porque o Onildo não me autorizou a sua identificação, e o segundo pelo fato da mesma não mais pertencer ao mundo dos vivos. Por isto, para não perder a confiança do Onildo e em respeito à memória da falecida, me reservo no direito de manter a personagem deste “causo” no anonimato.
O “causo” poderia ter acontecido em um dos cinco municípios emancipados de Araguaína (Aragominas, Araguanã, Carmolândia, Muricilândia e Santa Fé do Araguaia) ou até mesmo no município-mãe. Quanto ao ano do acontecido, não vou dizer para “não despertar a lebre”, pois caso eu diga que foi em 1997, você automaticamente vai deduzir que foi em um dos 5 municípios, e se eu disser que foi em 1966, você vai saber que foi aqui em Araguaína. Mas poderia ter sido também em Vanderlândia, no ano de 1988; ou em Darcinópolis, Cachoeirinha ou São Bento do Tocantins, em 1997. A única “dica” que eu dou é que o fato aconteceu por ocasião da posse do prefeito na segunda administração do município, ou seja, a posse do prefeito que iria substituir o primeiro prefeito.
Na sede do município em que tal fato aconteceu, tudo era festa, com a população em peso indo até a praça para prestigiar a solenidade de posse do novo prefeito e do vice-prefeito, eleitos na eleição passada. Como eu já afirmei no início desta narrativa, o município iria ter a sua segunda administração, não me revelando o Onildo se o prefeito “entrante” era ou não correligionário do prefeito “sainte”, isto é, se aquele teve o apoio deste para ganhar a eleição. Mas isto pouco importa! O que realmente importa é que uma multidão se postava em frente ao prédio da prefeitura municipal para presenciar a transmissão do cargo de prefeito municipal. Vale ressaltar que a solenidade de posse, tanto dos novos vereadores quanto do prefeito e do vice-prefeito, aconteceu em um outro local e, portanto, a multidão estava sob um sol causticante e abrasador, à espera da chegada dos empossados. E, enquanto esperava, não tinha outro “remédio” senão suportar a poluição sonora causada pela desafinada banda de música municipal, que tocava algumas marchinhas; ou pelo foguetório ininterrupto; ou então, o que era mil vezes pior, pelos pronunciamentos do locutor oficial, que em um carro de som próximo, “agredia, assassinava e sepultava a língua portuguesa”.
Após um certo tempo de cruciante espera, o locutor oficial anuncia aos presentes que a comitiva do novo prefeito estava se aproximando da prefeitura, para receber o cargo do ex-prefeito, que estava postado na frente do prédio de “paço municipal” (era assim que o prédio da prefeitura era chamado antigamente) para entregar a “faixa” ao seu sucessor. E o novo prefeito e o vice, de mãos dadas com as respectivas caras-metade, se aproximam, seguidos por uma grande comitiva de pessoas, com raríssimas exceções, aguardando uma nomeação para um cargo qualquer, no poder executivo municipal. Aplausos e mais aplausos, e finalmente chega o grande e esperado momento da transmissão do cargo de prefeito.
O locutor oficial, mestre de cerimônia da solenidade, chama o prefeito, que entra para receber o cargo do prefeito que sai, e como não poderia deixar de ser, convoca também a sua excelentíssima esposa para ficar ao seu lado, anunciando da seguinte forma:
“Convidamos o prefeito fulano de tal e a primeira-dama dona sicrana para receber a prefeitura municipal”.
E foi nesta hora que foi demonstrado o raro exemplo de humildade. A excelentíssima senhora esposa do novo prefeito pediu o microfone do locutor oficial e fez esta maravilhosa declaração:
“Eu não estou aqui para tomar o lugar de ninguém. Na verdade, eu sou é a segunda dama, pois a primeira dama é a mulher do primeiro prefeito”.
E a multidão aplaudiu com entusiasmo aquela declaração, que pode parecer um fato inacreditável no mundo político, quando alguém sempre procura, às vezes usando de mesquinharias e outras tramoias, ocupar o espaço de outro.
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